É verdade, andei calado.
Havia uma pedra no meio do caminho,
mas não era a pedra de ninguém,
era minha, de estimação,
lapidada por erros que só eu sabia antigos.
Memórias batem ponto no peito,
funcionários dedicados
do departamento de saudades e sustos.
O coração, esse velho prédio em reforma,
abria portas para corredores vazios
onde ecoavam passos de receio.
Um dia, um vento (não um vendaval,
mas brisa tímida, dessas que não assustam cortinas)
entrou pela janela esquecida,
e trouxe um olhar.
Farol aceso na noite particular
dos labirintos que construí sem mapa.
Olhar que não pedia senha
nem se assustava com poeira de abandono.
Fui aprendendo, entre tropeços
e pequenos silêncios compartilhados,
a arte de desatar nós.
Descobri que o perdão tem cheiro de pão quente
e que as falhas, vistas de perto,
lembram mapas de cidades que nunca visitei.
Com cada gesto teu,
reconstruí o que julgava irremediável:
a esperança guardada no fundo do armário
junto com cartas e retratos de infância.
É estranho —
milagre doméstico, quase banal —
como o afeto tece remendos invisíveis
nas partes esgarçadas do ser.
Ser vulnerável, aprendi,
é atravessar pontes sem corrimão,
é rir na fila do medo,
é apostar que o horizonte pode ser possível
mesmo com nuvens.
Agora, sou movimento.
Já não me sento sobre a dor,
não cuido mais da pedra.
Sou aprendiz de mim,
quem sabe até estagiário do amor.
E se os dias insistem em trazer novos enigmas,
lembro do fogo silencioso
que acendeste no meu quintal:
teu amor, fósforo aceso
no escuro que herdei.
Renasço devagar,
sem pressa nem manual.
A cada manhã,
um pouco mais inteiro,
um pouco mais eu.