Caminhei pelas ruas da ausência —
um deserto de ventos calados
onde o tempo se desfaz em poeira,
mas, ao longe, ouvia aquela canção:
o murmúrio do rio,
a carícia sutil da areia,
o abraço primeiro do céu na terra.
Sentei-me à beira do instante,
onde a água repete segredos
em espelhos de calma.
O cansaço, velho companheiro,
dissolveu-se no ar da madrugada,
como névoa que se curva à luz.
Ali, o mundo era só gesto:
um abraço sem exigência,
um silêncio de eternidade.
Os anos — ladrões de trilhas e mapas —
tentaram apagar o refúgio,
mas o lugar ficou,
intacto e manso
como verso tatuado na pele.
Não é só geografia,
é início e eternidade,
jardim secreto onde o amor germina
mesmo na seca do esquecimento.
Hoje busco com passos cansados,
mas o coração, esse velho navegador,
sabe:
a dor da saudade é promessa de retorno.
Ainda existe caminho?
Uma estrada de luz e memória
onde o amor se reinventa?
Vamos, então, esquecer o tempo,
abrir a porta daquela casa antiga
onde o amor se fez mar
e a vida, poema.
Porque amor, quando nasce assim —
simples, inteiro —
não se perde:
transborda, se refaz,
e será sempre lar:
o lugar onde o amor se faz mar.