Sezar Kosta

ONDE O AMOR SE FAZ MAR

Caminhei pelas ruas da ausência —

um deserto de ventos calados

onde o tempo se desfaz em poeira,

mas, ao longe, ouvia aquela canção:

o murmúrio do rio,

a carícia sutil da areia,

o abraço primeiro do céu na terra.

 

Sentei-me à beira do instante,

onde a água repete segredos

em espelhos de calma.

O cansaço, velho companheiro,

dissolveu-se no ar da madrugada,

como névoa que se curva à luz.

 

Ali, o mundo era só gesto:

um abraço sem exigência,

um silêncio de eternidade.

 

Os anos — ladrões de trilhas e mapas —

tentaram apagar o refúgio,

mas o lugar ficou,

intacto e manso

como verso tatuado na pele.

 

Não é só geografia,

é início e eternidade,

jardim secreto onde o amor germina

mesmo na seca do esquecimento.

 

Hoje busco com passos cansados,

mas o coração, esse velho navegador,

sabe:

a dor da saudade é promessa de retorno.

 

Ainda existe caminho?

Uma estrada de luz e memória

onde o amor se reinventa?

 

Vamos, então, esquecer o tempo,

abrir a porta daquela casa antiga

onde o amor se fez mar

e a vida, poema.

 

Porque amor, quando nasce assim —

simples, inteiro —

não se perde:

transborda, se refaz,

e será sempre lar:

o lugar onde o amor se faz mar.