Quando a manhã se abre, tímida,
a luz desliza pelo chão
como quem acende devagar
o corpo de um sonho.
Não é só dia que nasce —
é o tempo, feito convite,
pedindo que a gente refaça
o que pensa ser.
Cada gesto tem raiz:
a cortina aberta,
a água fria no rosto,
o silêncio antes do café.
São neles que o destino sussurra,
polindo, com mãos invisíveis,
a estátua que ainda somos.
Viver é aceitar a argila úmida,
o erro como ensaio,
o inacabado como beleza.
Há, em nós, um espelho de água parada
— onde os olhos veem mais do que querem.
Mergulhar ali é renascer molhado
de dúvidas, mas também de verdade.
O fundo assusta,
mas é lá que a alma aprende a nadar.
E quando estendemos o gesto,
e ele toca outro mundo,
o orgulho se desfaz,
como névoa ao sol.
É o perdão que semeia o campo,
é o encontro que remove a cerca.
A vida se borda assim —
no toque breve,
no passo incerto,
no abraço que fica.
Cada manhã é um tear em branco,
e viver é ter coragem
de puxar o fio do primeiro verso.
Quando a luz se despede,
resta o que foi tecido:
os gestos que ousamos,
os silêncios que curaram,
a luz que respirou conosco.