Sezar Kosta

OS GESTOS QUE OUSAMOS

Quando a manhã se abre, tímida,

a luz desliza pelo chão

como quem acende devagar

o corpo de um sonho.

 

Não é só dia que nasce —

é o tempo, feito convite,

pedindo que a gente refaça

o que pensa ser.

 

Cada gesto tem raiz:

a cortina aberta,

a água fria no rosto,

o silêncio antes do café.

 

São neles que o destino sussurra,

polindo, com mãos invisíveis,

a estátua que ainda somos.

 

Viver é aceitar a argila úmida,

o erro como ensaio,

o inacabado como beleza.

 

Há, em nós, um espelho de água parada

— onde os olhos veem mais do que querem.

Mergulhar ali é renascer molhado

de dúvidas, mas também de verdade.

 

O fundo assusta,

mas é lá que a alma aprende a nadar.

 

E quando estendemos o gesto,

e ele toca outro mundo,

o orgulho se desfaz,

como névoa ao sol.

 

É o perdão que semeia o campo,

é o encontro que remove a cerca.

 

A vida se borda assim —

no toque breve,

no passo incerto,

no abraço que fica.

 

Cada manhã é um tear em branco,

e viver é ter coragem

de puxar o fio do primeiro verso.

 

Quando a luz se despede,

resta o que foi tecido:

 

os gestos que ousamos,

os silêncios que curaram,

a luz que respirou conosco.