Ontem teve trilha,
céu aberto, cheiro de mato,
a promessa do vento varrendo o peito.
por um instante, um sonho, e a cabeça quase acreditou
que o corpo era só corpo
e não armadilha.
mas a noite veio e com ela,
o velho corte sem grito,
a dor muda, íntima,
desenhada rente demais ao que pulsa.
era 2 da manhã
as paredes pareciam olhar de volta,
e o silêncio não dizia nada
nem sim, nem não,
só o peso de existir com a pele ferida
por dentro
ninguém viu a trilha figurativa virar abismo,
nem o quanto é frágil
o fio entre o ser e o não ser devagarinho.
porque há momentos em que a alegria é só intervalo,
e a tristeza mora como inquilina antiga,
dessas que sabem cada canto da casa.
e tudo que resta é esse quase.
Esse anseio mudo de um lugar que doa menos.
mas e se não houver nenhum que doa menos?
a gente aprende a fingir abrigo -
ou se desfaz devagar dentro do vazio?
Imagem: Peter Ondreicka, Tight Mask 1987-1988