Já fui tantas coisas que me esqueço das cores do meu próprio nome.
Fui o riso dissolvido na poeira dourada das tardes,
a febre que trincava os azulejos da noite,
e o susto das manhãs
que se abriam como janelas para o vazio.
Fui o menino que corria atrás do vento—
sentia o cheiro doce do mato,
o suor escorrendo,
a esperança de alcançar algo invisível.
Depois, fui o homem parado na esquina,
vendo o vento partir,
levando promessas
que guardei em caixas de sapato
e nunca abri.
Crescer dói como sapato apertado,
e o mundo, sempre um número maior
do que meus pés podiam calçar.
A infância: fábrica de eternidades,
a juventude: mãos trêmulas
quebrando os relógios.
Hoje, sou o eco de risos engolidos,
o cheiro de terra molhada
depois da chuva que não caiu.
Mas, talvez, seja mais verdadeiro agora,
feito árvore que carrega cicatrizes
e, mesmo assim, floresce.
Afinal, quem somos nós
senão a soma das promessas esquecidas
e dos sonhos que ainda doem
quando o vento passa?