Sezar Kosta

UM DIA NO ESCRITÓRIO

Bem-vindo ao campo de batalha,

onde os gladiadores vestem camisas sociais,

armados de canetas sem tinta

e sorrisos protocolares.

Aqui não há leões, só reuniões

que devoram horas e almas,

PowerPoints que prometem o futuro

mas entregam só insônia.

 

\"Seja proativo\", diz o e-mail motivacional,

enquanto o chefe coleciona prazos

como troféus de guerra perdida.

\"Pensar fora da caixa\" é o mantra,

mas a caixa é o cubículo

e você está preso dentro dela,

com direito a um calendário de mesa

e um post-it amassado que diz: \"Respire.\"

 

A máquina de café é a fonte da vida,

um oráculo que nunca mente:

o expresso é amargo como a última reunião,

o cappuccino doce demais para ser verdade.

E o café com leite?

Esse, meu caro, é o meio-termo

onde todos fingem estar felizes.

 

Há batalhas sutis no open space:

o ar-condicionado polar que congela sonhos,

a disputa silenciosa pela última fatia de bolo

na festa de aniversário do colega que ninguém conhece.

E a guerra de e-mails?

Ah, essa é épica:

\"Conforme discutido anteriormente\"

é a espada mais afiada,

\"Em anexo, segue novamente\"

é o escudo que protege a dignidade.

 

Mas o ápice do teatro corporativo

é o discurso do \"time\":

\"Somos uma família\", proclamam,

enquanto terceirizam os primos.

\"Juntos somos mais fortes\", dizem,

mas no happy hour ninguém te chama

e o brinde é só para os cargos de cima.

 

E ainda assim, resistimos.

Porque há beleza nas pequenas revoltas:

o \"não lido\" no e-mail do chefe,

o cochilo estratégico na call sem câmera,

o riso abafado ao perceber que a vida

é só um grande brainstorming mal planejado.

 

E no fim do expediente,

quando o sol se põe lá fora

e você encara o reflexo na tela desligada,

vem a pergunta inevitável:

\"Isso é tudo o que sou?\"

 

Mas então, num lampejo irônico,

lembra que, como aquele clipe esquecido na gaveta,

você também é flexível.

E, quem sabe,

um dia vai voar.