Marilopes?

falta de mim

Eu corro atrás de provar minha força — uma força que eu não tenho, mas inventei. Digo a todos as mil loucuras que faria pelo meu amor-próprio, e mais mil coisas que eu jamais aceitaria, só pra não faltar com respeito a mim mesma. Fingi por tanto tempo que me perdi nessa mentira — e me perdi tão profundo que ela passou a ser verdade.

Precisei esconder minha intensidade pra não ser machucada de novo. E agora me machuco por sentir falta de ser intensa, de ser eu.

Sinto falta das dezenas de textos que eu fazia em vão, com nomes de pessoas aleatórias que eu via na rua e me apaixonava. Sinto falta da Mariana que eu escondi pra sobreviver.

Quanto mais organizada eu tento manter a sala da minha casa pras outras pessoas verem, mais bagunçado meu quarto fica (mas ele tá trancado). E, de repente, num domingo qualquer, eu arrumo tudo: guardo as roupas do chão, troco a roupa de cama, coloco meu computador — aquele que eu usava pra escrever meus textos apaixonados — pra carregar. Mas isso dura pouco, porque na segunda de manhã recebo visita, e preciso tirar toda a bagunça (que eu acho que é bagunça) da sala. Jogo tudo o que tá errado no meu quarto. E tranco.

A visita vai embora tarde. No fim do dia, eu só quero deitar na cama e chorar de cansaço. Mas, assim que entro no quarto, olho a bagunça... e desisto de me deitar ali. Afinal, terça vai ter visita de novo. E quarta também. Quinta...

Acabo dormindo na sala — e acordo cada vez mais cansada. Dormir na sala é bom: tem TV, é mais perto da geladeira, e de manhã o sol bate na janela, fica lindo. Mas todos os dias minha família passa pela sala e sabe exatamente por que eu tô ali, enquanto meu quarto, trancado a sete chaves... Eles fazem de tudo pra me ajudar a arrumar, mesmo sabendo que eu gosto de fazer isso sozinha, quando tenho tempo.

No meu quarto, tenho umas fotos reveladas, guardadas no fundo de uma gaveta especial. Fotos de quando eu tinha tudo que nunca imaginei perder. Eu sorrindo na foto. Eu comendo sem culpa. Eu abraçando minha família, sem sentir que esse abraço era pouco. Nessas fotos estão os maiores sinais de alegria que já senti na vida. A mais pura inocência. O loiro mais loiro. O olho mais verde que nunca.

Eu era muito feliz. Até amar alguém.

Acho engraçado como um pingo de tinta muda toda a pintura. Acho triste como o amor de alguém mudou tanto em mim.

Sempre gostei de flores — porque são lindas. E nunca tive medo dos espinhos. Sempre me cortei, mas mesmo assim continuava querendo as flores mais lindas, mais raras, mais vivas (por fora). E, a cada vez, com mais e mais espinhos.

Um dia, eu me espetei pela última vez. A dor foi tão grande... tão grande... que prometi pra mim mesma que nunca mais encostaria numa flor. Mesmo que fosse com cuidado. Nunca mais permitiria que uma \"flor\" ultrapassasse meus limites e me desrespeitasse assim.

Mas... será mesmo que eu mereço todo esse respeito?

Às vezes, eu paro pra pensar no vazio que ficou em mim. E chego à conclusão de que tenho tudo — mas nada me preenche. Tenho o mundo. Mas o que deixou esse vazio aqui nunca mais vai voltar.

E eu continuo sobrevivendo. Fria. Forte. Racional. Longe das flores. Com o quarto bagunçado. E a sala impecável.

E eu não sei sair disso.