Tainá Lopes

Um shot de café.

 

Um shot de café, e a alma desperta —

mas não inteira, só o que resta.

O corpo veste a farda invisível

dos que seguem firmes, mesmo implausíveis.

 

Olhos vermelhos, mas não de sono:

de esperança teimosa e abandono.

Trabalhadores da rotina crua,

que trocam sonhos por mais uma rua.

 

Durante o dia, o café é refúgio,

calmaria quente, vício e subterfúgio.

É abraço breve entre tarefas mil,

é silêncio amargo num mundo hostil.

 

Mas à noite...

À noite, trocam a xícara pelo copo.

O amargo continua, só muda o rótulo.

Bebem não pra esquecer, mas pra suportar

o peso de um dia que insiste em ficar.

 

Café e álcool: extremos que se tocam.

Um pra acordar, outro pra apagar.

E no meio, a vida — essa corda bamba

entre o cansaço que chega e o que nunca se vai.

 

Trabalhadores da cidade cinza,

carregam no peito uma brisa extinta.

E seguem, brindando ao que não tem cura,

com um shot de café...

ou um gole de amargura.