Anna Gonçalves

Manual inútil do coração

Não me espere no portão, meu bem,
já não sei mais voltar.

E não quero mais voltar.
Mas se em alguma nuvem você pisar,
olhe pra baixo, estarei no mesmo chão
onde você um dia ensinou o vento a cantar.


Mas acho que amei você melhor
do que você mesmo e agora sobrou
apaisanas de cinzas no peito, tabacos gastos,
filtros gastos, sedas e o jeito
de quem se afoga em seu próprio veneno,
amando um amor pequeno. Procurando qualquer alento para o seu acalento.

Pobre do seu próprio amor próprio, do qual foi um reflexo, achando que poderia amar alguém sem nenhum complexo.

Não me peça mais o céu, amor,
que eu desaprendi as asas.
Minhas mãos são terra,
meus pés já foram raízes fracas.

Não é possível ser lúcido
e ao mesmo tempo amar,
a inteligência é uma faca
que corta a linha do encanto e do tempo.

O coração que sabe demais
aprende a sangrar em silêncio,
enquanto a razão, cruel,
desmonta os sonhos
como quem desfaz um relógio
e perde as peças do seu chão.

Você quis ser sábio 
acumulou palavras
e esqueceu o alfabeto
Agora, sobrou apenas
esta certeza amarga,
onde o seu \"amor\" é o único idioma
em que ser analfabeto é vantagem.

E então fui lá e joguei aos ventos,
para ir com ele
e eu estática  vejo o horizonte engolir
tua bússola louca, como você, que desdenha do relógio e nunca sabe para onde ir.


Acabou!

Foi com o vento que te levou
até o céu, onde você existe agora,
que ao olhar para ele haverá alguns relapsos dos quais no futuro já não vou mais sentir.

A casinha agora é um vaga história do passado,
e os quartos só se tem ecos.
As paredes repetem
o que já não te interessa mais,
minha voz, um tom de uma nota de saudade, um acorde desafinado.

Não fales do leste,
nem do sol que se esconde.
Aqui, o tempo parou
e ficou lá atrás nos escombros,
no lugar onde um dia
teu nome me era e já foi doce.

Se eu tentasse voar para o mesmo local, seria um pássaro completamente cego,
batendo contra a noite, enquanto teus dedos que dedilha seu violão 
desatam as nuvens, enquanto eu ouço, eu caio,  sempre  caio,
sempre caia...

Mas ouça esta confissão
o pouco que você levou de mim
virou raiz.
Já não dói mais, apenas cresce
no lugar errado,
como árvore no asfalto.

Na verdade, eu levanto e te dou aplausos em pé, 
do nosso tempo do  passado
e a gente ali parado fazendo cena
para o público de nossos amigos rir.

Mas que você tomou a decisão correta, me livrou de uma baita enrascada das suas ideias,
onde eu partir e felizmente consegui desistir dessa ideia.
Cada coisa deságua em outra,
a lucidez e o amor não habitam o mesmo corpo.
Não finjo não saber, paixão é vertigem é tonta e são tantas,  a hora da virada de chave chegou no ponto, do qual estou pronta para o final. 

O que não quer dizer, porém, que sozinha eu possa ser feliz.
Aceitei que alguns nascem pra partir e estagnar e outros a querer recomeçar e se reinventar,
eu me recuso a ser o último verso, a chorar.