Ultracrepidário

Gangrena indolor

Os dias passam como anos.
Os anos, como dias.

Manhã chuvosa.
Mas não há tempo para amainar os olhos;
não há tempo para sentir o café;
não há tempo,
afinal, em dez minutos, ônibus.
(A gangrena devora o calcanhar)

Tarde alegre.
Mas não há tempo para azul;
não há tempo para arroz quente;
Não há tempo,
afinal, em dez minutos, fim do almoço.
(A gangrena sobe ao peito)

Noite fria.
Mas não há tempo para estrelas;
não há tempo para penumbra;
não há tempo,
afinal, em dez minutos, amanhã.
(A gangrena come a mente)

Tornou-se gangrena.