Leonardo Ramos

Um Feminicídio Anunciad

 
Olá, Trópico, como estão?
Aqui, o domingo nasceu bonito. Um vento fresco passeia entre as telhas; o aroma de café flerta com o cheiro do bolo de milho e, por um instante, o mundo parecia um lugar possível. Mas, hoje, deixo a caverna. Desço a montanha sem pedir bênção ao sol. Venho para encontrar o sábio na floresta. Venho para a minha queda. A queda do homem.
No que foi, um dia, a zona rural da minha cidade, mata-se muito. Mataram a flora e expulsaram a fauna. Mataram o rio. Matam jovens. Matam de duas a três mulheres por semana. Reflito um pouco sobre o tema.
Essa violência não é regional — e não começa no tapa, mas no controle disfarçado de cuidado, na manipulação que prende, isola e suga a autonomia da mulher até que ela não se reconheça mais. É a violência que se veste de zelo, mas que é medo travestido de amor.
Às sutilezas do abuso, às pequenas sementes do controle que muitos fingem não ver. Quando o homem diz “não vá”, “isso é perigoso”, o que ele esconde não é carinho: é domínio.
“Não poste essa foto, amor, as pessoas têm inveja.”
A inveja é a nova vilã da liberdade feminina. Inveja é o novo “não saia com essa roupa”; é o “você provocou”; é o “você não é tão bonita”.
Meu vizinho é desses — um homem inseguro, com um talento tremendo para transformar isso em posse, em domínio, em poder. Um manipulador eficaz.
Daqueles que maltratam, traem e ainda saem com a razão.
Daqueles que, quando descobertos, vestem a capa de vítima:“Você me obrigou a fazer isso.”
E ela, que já foi inteira, agora se dobra: acredita.
Pede desculpa. Se culpa. Pela traição, pela discussão, pelo choro.
A manipulação é tão profunda que ela ainda se sente livre.
Livre para pedir permissão. Livre para não causar ciúmes. Livre para se calar diante de uma agressão — porque “ele estava nervoso”. Livre para acreditar que amor é isso mesmo: aguentar. Livre para duvidar da própria memória, da própria voz, do próprio corpo. Livre para sorrir nas fotos, com filtros. Livre para achar que liberdade é não incomodar.
Livre para vestir o que ele gosta. Livre para cortar laços — com amigas, com a mãe, com a vida.
Livre para andar em círculos, sempre dentro da redoma que ele chama de lar. Ela ainda se sente livre…
Um Feminicídio anunciado, premeditado: socialmente, culturalmente, silenciosamente.
Hoje não tenho livros, nem álbum musical.
Boa semana.
Leonardo Ramos