Maria do Socorro Domingos

A FLAUTA E O SABIÁ (baseado no conto de Coelho Neto,de mesmo título )

Num estojo de veludo
Sobre uma mesa de verniz,
Repousava uma flauta
Tranqüila e muito feliz.

E morando na gaiola
Bem acima dessa mesa,
Um sabiá muito belo
Cantador por natureza.

A tarde linda de sol
Ele, pensando na mata,
Encheu-se de alegria
E modulou uma volata.

A flauta em gargalhadas
Começou a desdenhar:
Como é que se atrevia,
Aquele pobre, a cantar?

- De que ris - Indaga o pássaro
Por que estás contente assim?
- Ora, pois, como te atreves
A guinchar perto de mim?

O pequeno passarinho
Ainda não conhecia,
O arrogante instrumento
Que deboches lhe fazia.

Então ele perguntou:
- Quem és tu, ó bela imagem?
E a flauta respondeu:
- Bem se vê que és um selvagem.

- Eu sou a famosa flauta
Inventada por Marsias,
Nos palácios sou saudada
Com todas as regalias.

Meu inventor era forte
Com o deus Apolo lutou,
Vencedor foi consagrado
Por isso o deus o matou.

Além de ser um selvagem
És também  ignorante,
Lê os clássicos, camarada,
Aprenderás num instante!

O sabiá todo encolhido
Nem sabia o que falar,
Mesmo assim criou coragem
Resolveu se apresentar:

- Sou um mísero sabiá
E por Deus eu fui gerado,
Antes dessas invenções.
Deixemos isso de lado.

A flauta, com petulância,
Começou a perguntar:
- Que fazes, por caridade,
Pensas que isto é cantar?

- Canto sim, todos os dias
Faço disso o meu ofício,
Mas cantar me rende pouco
É um grande sacrifício.

Eu deixarei de cantar
E me calarei por fim,
Se em teu canto descobrir
Que és superior a mim.

Canta! Eu te escutarei
E se eu apreciar,
Prometo, jamais irei
Uma volata ensaiar.

- Desprezível  sabiá
Grande é tua pretensão,
Desconheces por inteiro
A minha nobre missão.

Eu canto para alegrar
Os reis em bonitas festas,
Em noites de lua cheia
Sou o guia das serestas.

A minha voz acompanha
Hinos sagrados na igreja,
Também alegro as damas
Qualquer pessoa que seja.

O meu canto harmonioso,
Inspiração das mais puras,
É regalia dos deuses
E das demais criaturas.

- Aqui estou para ouvir
O teu canto sem igual,
Sem inveja e sem rancor
Eu direi que és a tal.

A flauta então respondeu:
- Agora não é possível,
Não está cá o artista
Que me faz ser imbatível.

- Que artista, minha amiga,
Essa é boa! Eu não sabia
Que precisas de ajudante,
Para cantar uma melodia!

- O meu senhor é quem sopra
E o meu som sai perfeito,
Porém, sem ele não dá
Eu não canto! Nada feito!

E o sabiá percebeu
Da flauta toda a vanglória,
Aplicou-lhe uma lição
Prá terminar a história:

- Então, vivam os sabiás
Que cantam todos os dias,
E tiram do próprio peito
Os sons para as cantorias.

Há muitos iguais a ti
Que têm o costume feio,
De querer ser diamante
Usando o brilho alheio.

Flauta, ó flauta orgulhosa
Que escarnece de um amigo,
Desce do teu pedestal
Faz um dueto comigo!

E com toda a sua força
Alegre pôs-se a cantar,
E a flauta, quem diria,
Desistiu de casquinar!


                 ****


 Este cordel é baseado no conto \"A flauta e o sabiá \" de Henrique Maximiniano Coelho Neto (Caxias/1864 - Rio de Janeiro/1934), escritor, cronista, folclorista,romancista, teatrólogo, crítico,  político e professor , membro da Academia brasileira de Letras - fundador da cadeira de número 2, considerado o Príncipe dos prosadores brasileiros.


 Maria do Socorro Domingos dos Santos Silva