Metamorfose

Se não fosse eu

Se não fossem as malas cheias de tempos,
os ventos varrendo segredos no chão,
se não fosse a sombra de antigos lamentos,
eu não carregava essa imensidão.

Se não fossem grades que moldam os passos,
se a infância dançasse em braços de luz,
se o erro não fosse um risco no espaço,
seria um esboço que o tempo seduz.

Se sou desalento aos olhos do mundo,
sou rio que insiste em tocar o mar,
trago nos versos o tom mais profundo
daquilo que a vida não quis apagar.

Se não fossem ais que ecoam no peito,
se a dor não bordasse a pele em um rito,
se a vida não fosse um livro desfeito,
onde cada palavra ressoa em um grito.

Se não fosse Deus, o grande escritor,
que sopra os destinos na palma do vento,
se não fossem os ursos, as tardes de cor,
eu não navegava em meu próprio tempo.

Mas sou essa agora, de mares abertos,
feito tempestade sem medo de ir,
se não fosse a vida em todos os versos,
talvez fosse alguém que não soube sentir.