Crômica - do Colo ao Avião
(Por Sandro MS Lino)
Por trás da contínua cabeceira,
mesmo no escuro da incredulidade do amor,
vejo os casais nas praças:
de mãos dadas, abraçados ou em carícias,
em sorrisos bobos, seriedade no olhar,
juramentos, confissões...
centelhas de uma chama,
chama em folhas secas,
levadas pelo vento —
sem matéria, sem energia
para produzir calor
contra o inverno que está à porta.
Sento só e medito:
\"A problemática é que o vento que trouxe a folha
a pôs, aleatoriamente,
diante de outra aparição igualmente aleatória.
A esperança nesse acaso é o sucesso
da combinação plausível dentro de um \'N\'
grande demais.
Sucesso raro como o ástato.
É estúpido pensar em sucesso
se levar em conta as bagagens e tralhas imundas
que se arrastam com nossa existência.\"
Sei e vejo que no íntimo sofrem, choram,
descontentes descobrem que não há
oxigênio nem faísca que produza
o pretenso incêndio.
Sei, vejo e sofro dessa epidêmica angústia.
As imagens percorrem os inaptos nervos óticos
e não fazem sentido nas sinapses confusas
que se colidem e explodem
a cada tentativa de entender:
O que é amor?
Como consegui-lo?
E se conseguir, como mantê-lo?
O que essa materialização dos sentimentos
quer receber ao meu lado?
O que dar?
O que cobrar?
Ah! Cansado estou:
empiricamente não aprendi
e ninguém me ensinou a amar...
E nessa praça as folhas são tão vítimas
quanto eu.
Bagagens e Tralhas
7 anos
Vi o amor!
Morou em casa, eu era o centro
da vida dele.
Presentes, brincadeiras, sorrisos,
seu colo — como era bom seu colo!
Seus olhos percorriam-me
à procura de dor
e corriam para amenizá-la.
No medo, me protegia.
Era dependente de você, era protegida sua.
Meu super-herói.
Eu te amava e acreditava no seu amor...
Será que meu pai é o amor?
14 anos
Era domingo.
Levantei, tomei banho, perfume,
pulseira colorida que eu amava,
amarrei o cabelo.
Papai me esperava para o café,
não tão sorridente.
Saímos.
Eu olhava a cidade, minha mente se distraía,
meus planos, minha futura carreira,
estava segura:
papai apoiava-me em tudo e incentivava.
Chegamos ao aeroporto.
Papai se abaixou até a minha altura
e, com ternura, me abraçou e me beijou
pela última vez.
Disse-me:
— \"Papai está indo embora.
Não vou mais voltar.
Seu avião partiu,
e as nuvens o esconderam para sempre
dos meus olhos.\"
21 anos
Olhou a estancada nascente,
e viu uma vela à meia-noite da descrença.
A afasia distorce a definição do amor,
mas uma pequena luz o guiou e me amou,
arriscou e apostou na teoria
da água em terra seca.
Sim, algo brotou:
era rude, mal arraigado e disforme.
Me joguei, houve esperança e planos.
Me rasguei da cabeça aos pés,
mostrei a cerne instável
e, sem palavras, queria ver aquele avião voltando.
Ele tentou, romantizou e se declarou
oficialmente \"o colo\"!
Casamento, filhos e casa.
Me vi no centro —
será que a nuvem te devolveu?
(...)
*O que é amor?
Como consegui-lo?
E se conseguir, como mantê-lo?
O que essa materialização dos sentimentos
quer receber ao meu lado?
O que dar?
O que cobrar?*
Não consegui responder!
Diretamente proporcional ao tempo que passou,
o avião se afastou novamente —
ou nunca voltou.
E a folha seca terminou sua combustão.
Neve e gelo inauguraram o glacial chão
daquela praça.
Onde, estática e sentada, me surpreendia
com a dança das folhas
na aleatoriedade do vento.
42 anos
O tempo deu um salto
e, periodicamente, quer me enganar
com aviões de papel
voando a palmos da minha córnea
— ou são moscas?
Ou ainda apenas sussurros de esperança?
Lembro e dou risadas:
isso já foi um grito.
Ponho meu casaco
e saio para assistir e testemunhar
as pseudas fogueiras que iniciam
em um colo
e morrem com os aviões.