Antonio Luiz

Trecos da mesa de cabeceira - I

na areia da ampulheta eu desenho deitado

meu rosto como o levo à cama da memória

mas acordo toda manhã um pouco apagado

tal um espelho que não reflete lembranças

 

saio cantando algo que nem mais se escuta

ensaiando o passo que ninguém mais dança

vigor de folha seca que vento não sustenta

café em copo americano e a bala de menta

 

o limo encobre segundos em verde silêncio

nas pregas dum relógio enraizado na cerca

com duas lâminas aguçadas e sem ponteiros

e em fiapos de então o tempo me desfibra

 

mas quando a tarde assenta o colo da noite

e nos galhos do luar os minutos se aninham

decanto minhas horas na varanda do eterno

e juro que ainda sou aquele instante inteiro

 

(então eu me desenho novo de novo na areia)

 

-- esse poema foi publicado em meu blog pessoal (https://antoniobocadelama.blogspot.com/) em 11/03/25 --