Eu sou uma comilona compulsiva
E até ano passado eu enfiava o dedo na minha garganta para fingir não ser uma comilona compulsiva
Eu gosto da dor
Eu deixei uma criança de cinco anos me dar cabeçadas nas costas durante quarenta minutos seguidos dentro de uma piscina gelada
Agora estou tossindo e quando eu tosso minhas costas parecem se romper de dor
Eu estou com alguns cortes nas pernas que eu não sei bem como apareceram
Mas eu sinto vontade de reabrir aqueles que eu sabia de onde vinham
Eu comi a minha casa inteira, as portas e janelas foram engolidas na procura dos meus sentimentos
E aos poucos eu estou comendo minha própria alma
Eu gostava de enfiar o dedo na minha garganta para fingir não ser uma comilona compulsiva
Porque assim eu emagreci 25 kilos em dois meses
Nem a água se safava, ela era sacana e pensava que por não ter calorias passaria impune do meu sistema de culpa própria pós comida
Mas ela não se safava
E quando eu chegava em casa eu devorava meus sapatos
Eu devorava os tapetes e devorava as janelas
Eu devorada o portão e devorava meu quintal
Eu devorava meus animais e eu devorava meus cabelos
Eu devorava minhas coxas e devorada meu coração
Eu devorei tanto que tive que cuspir tudo
Eu estava a beira do vaso com todos os meus demônios saindo rasgando pela minha garganta ensanguentada
E então o que acabava ensanguentado eram minhas coxas, canelas, pés, mãos e braços
E então era segunda feira de novo
E minha vida continuava.