Dou por mim sentado no banco de uma praça antiga em meu bairro.
É noite e está chovendo fino, não está frio e tampouco a chuva me perturba.
Eu sinceramente não entendo como fui parar neste lugar, não vim caminhando até aqui; simplesmente, é como se tivesse brotado neste banco.
Sentado neste banco, vejo a janela da escola onde estudei. Lembro-me bem desta sala de aula, pois frequentei-a por um ano inteiro.
A madrugada passa rapidamente, e tenho, por incrível que pareça, boas sensações. Como se algo muito extraordinário estivesse vindo em minha direção.
Não sinto fome, estou plenamente satisfeito.
Vejo o parque, antes iluminado por luzes artificiais, agora recebendo a claridade do sol, que, embora esteja entre as nuvens, apresenta-se no cenário.
Vejo que alguém abre a janela, e reconheço que é a diretora desta pequena escola de duas turmas. Ela olha na minha direção, mas não me reconhece, eu creio...
Começam a chegar as primeiras crianças, a maioria com nove anos, mas algumas com onze, por serem repetentes da terceira série.
Um grupo desses meninos está em frente à praça e parece amedrontar um menino sozinho e mirrado. Não deixam que ele chegue ao portão da escola, e o garoto tenta abrir caminho entre eles.
Subitamente, este menino consegue entrar correndo na escola, abre a porta com pressa e vai para a sala de aula.
Escuto batidas na porta da sala em que está o menino, e ele tenta segurar a porta o máximo que pode para que os outros meninos não o agridam.
Ele resolve pular a janela, que é alta para um menino de altura comum para a idade, tropeça na própria janela e cai de cabeça no pátio da escola.
Fica imóvel, e logo chegam professoras e alguns alunos.
Sirenes, em poucos minutos, rompem o silêncio da manhã e a chuva cessa.
O menino que caiu permanece imóvel; vejo apenas seus cabelos pretos molhados de sangue.
Chegam os socorristas, examinam o garoto virando-o de barriga para cima e fazendo massagem em seu peito.
Colocam o menino em uma maca, mas sem nenhum apoio de aparelhos; creio que ele morreu!
Novamente, quando me dou conta, estou à porta da ambulância, olhando na direção em que vem o garoto na maca, com um lençol tapando totalmente seu corpo.
Ao suspenderem a maca, um vento sopra e afasta o lençol do rosto do menino.
Entendo a razão de por que achei que o conhecia desde o primeiro momento em que o vi, mesmo de longe.
Lembro-me dos seus passos nesta manhã, da fome que sentia por não ter o que comer no café, da angústia em ter que ir para a escola, onde constantemente era agredido por ser muito quieto e estudioso... Reconheço que este garoto sou eu, e que estou em outra realidade onde o tempo deixou de ser linear.
Arthur Mello Noos