.Ykaro

Monólogo Capítulo 4 da Pétala

 

O dia que Deus descansou após sua criação mais burra, talvez o mesmo seguiu os conselhos de Schopenhauer e deixou de pensar sobre os resultados catastróficos que, a imundice criada, poderia causar – e causou. Hoje é Sábado. 

Ao contrário da divindade, não tenho esse luxo, até porque trabalho aos sábados, mas, graças a Deus, tenho 1 hora de descanso. Geralmente durmo, almoço ou vou resolver alguns problemas que um ser humano comum tem, como por exemplo pagar prestações atrasadas, pagar fatura das minhas navalhas, ou melhor, dos meus cartões de crédito, pagar para ouvir, pagar para ver e, finalmente, pagar para existir. Tudo custa algo, e a minha vida, ironicamente, foi a coisa mais cara que tive o desprazer de possuir – e nem sequer tive a escolha de comprar. Porém, nesse intervalo decidi me conformar com tudo isso, ou melhor, me colocar como ‘’Sísifo idealizado’’ de Camus e imaginar Pétala feliz.  

‘’O que se pode esperar de uma mulher medíocre? Pensar, com um máximo de prazer? Ora, sobre si  mesma. Assim, pensarei sobre mim’’. 

Sobrancelhas fortes, sorriso banguela, cabelos longos e ondulados nas pontas, negros como breu, estatura baixa, até normal para crianças que nascem cedo como eu. Quando ainda era apenas um broto, meus ‘’descansos’’ eram tanto aos sábados quanto aos domingos, durante a semana vivia em colégio restrito para meninas, onde ocorreu minha castração, ou melhor, aprendi o conceito de civilidade e etiqueta, ambas doutrinas ensinadas por gente ingênua, apenas para mulheres, o\'que é questionável para um local como este, uma vez que as pedagogas trancavam as garotinhas em salas escuras, por horas e sem comida, quando desobedeciam uma delas, ou até a utilizavam da palmatória. Me recordo que na maioria das vezes sempre era punida – às vezes como Raimundo, por corrupção, às vezes como Curvelo, pela delação. Ai de mim se dedurasse uma de minhas colegas para as pedagogas, poderia ser punida de forma pior, o que me ocorreu uma vez.