Geraldo era um menino sozinho e sem pai.
Morava com sua mãe a qual dava o melhor que podia ao rapazinho.
Sempre gostou muito da leitura, e embora por vezes visse coisas que não eram reais, nunca mencionou a sua mãe que isso acontecia.
O garoto tinha muita carência de pai, e não que ele percebesse isso pois era muito pequeno, mas sua mãe sempre atenta ao menino, reparava no quanto ele amava seu tio materno.
Ismael era um jovem de 12 anos quando nasceu Geraldo, e sempre foram muito próximos.
Não havia ocasião em que Ismael estivesse em casa em que Geraldo não fosse escutar músicas e conversar sobre surf (esporte que seu tio amava) e motos claro.
Com 21 anos, Ismael realizou um dos seus maiores sonhos: Comprou em fim sua moto a qual nela ele cavalgava de uma esquina a outra, enquanto Geraldo por dentro do portão do seu pátio, ouvia na rádio a canção do Paralamas, vital e sua moto.
Dentro do pátio, Ismael com Geraldo na garupa, o levava do início ao fim.
Na imaginação de Geraldo, não estavam apenas dentro do seu terreno, estavam sim, cavalgando em um belo cavalo branco por entre montanhas, buscando enfrentar gigantes e dragões e em busca de um pote de ouro.
A amizade entre esses dois era perfeita, e o pequeno aprendia muito com seu tio. Aprendera que Deus não existia e que cada um dos seres humanos da terra era seu Deus único.
Quando Ismael começou a namorar, Geraldo ficou um pouco de lado e isso o incomodava muito.
Sua mãe explicava que era tudo parte da vida, e que um dia ele também teria uma namorada e mudaria.
Ismael noivou e estava muito feliz, até que descobriu a traição de sua noiva e tudo terminou.
Geraldo ainda pequeno, ficou feliz pois novamente teria seu tio apenas para si.
No próximo aniversario de Ismael, Geraldo e sua mãe haviam comprado uma cera para deixar a moto brilhando, e quando foram ao encontro de Ismael, perceberam que ele estava triste.
Pediu um beijo a ambos, e Geraldo relutou pois sempre brincavam de ser machões...mas naquele dia havia algo de diferente, e Ismael insistiu tanto que o menino o beijou no rosto.
Ismael saiu com seus amigos para festejar, e a única coisa dele que voltou, foi a má noticia que ele havia sofrido um acidente e que estava em coma.
Após seu terceiro dia de coma, Ismael faleceu.
No velório diversas motos estavam estacionadas, Geraldo contou mais de 30.
Foi a primeira vez que Geraldo presenciava um velório. Via seu tio ali deitado com uma faixa branca enrolada na testa e tinha a nítida sensação que em algum momento, Ismael levantaria dando um grande susto em todos dizendo que era tudo brincadeira...mas essa ilusão passou quando o caixão entrou na sepultura e foi lacrado com gesso.
No final, todos as motoqueiros, fizeram uma bela homenagem acelerando suas motos sem sair do lugar
Geraldo a partir dali, considerava-se inimigo de Deus.
Não rezava mais e torcia para que morresse logo para encontrar seu tio querido.
Anos se passaram e Geraldo agora um rapaz, ainda não havia superado sua perda.
Certo dia, Geraldo foi a uma cartomante e uma das primeiras coisas que ela lhe disse é que por quem ele ainda chorava e que já havia partido, voltaria para ele mas desta vez como seu filho.
Geraldo achou uma tremenda bobagem, e desconsiderou o comentário.
Geraldo casou-se depois de muitos anos e teve um filho que amava mais do que tudo na vida.
Certa vez enquanto ele e seu filho de 4 anos caminhavam, uma Harley-Davidson, passou e Geraldo comentou com seu filho como a moto era linda.
Seu filho olhou para Geraldo, e perguntou se ele queria ter moto um dia.
Geraldo entusiasmado disse que sim, e que levaria o menino para todos os cantos do mundo.
Gabriel seu filho com olhos tristes lhe diz:
- Não faça isso não pai, pois eu já tive uma moto e morri! Quando morri, tu chorou muito por mim, e se tu tiver uma moto eu chorarei por ti desta vez.
Geraldo a partir desse instante, voltou a crer em Deus e chorou.
Arthur Mello