PsyDuck

Ícaro Insolente

Ainda ontem, chamaram-me ao degrau,
soturnos, sisudos, de luvas severas,
olhos de sombra e cálculo,
mãos que falam em cifra e preceito,
como quem vela o inominável,
como quem guarda o inatingível
num cofre de silêncio e sal.

 

Mas ri e acendi meu cigarro:
\"Escada? Não, senhores,
não me curvo ao escopo da pedra,
o vôo me veste melhor.\"

 

Houve um tremor, um murmúrio,
um sibilo de cátedra antiga:
\"Ícaro, Ícaro… vês, ensinaremos.\"

 

Mas o que me ensinam os mortos?
Não é do medo que venho,
não sou cinza de lição antiga,
não me pesa o chumbo dos séculos.

 

Queima-me o sol? Que importa?
Queima a quem se esconde,
a quem ergue muralhas contra o azul,
a quem crê que o céu se fecha,
a quem chama abismo ao infinito.

 

Minhas asas não são de cera,
mas de vento e desvario,
não sigo mapas alheios,
nem o compasso dos tíbios.

 

Voo porque a terra não basta,
porque o horizonte me chama,
porque o azul me promete música.

 

E se a queda me espera,
que seja nos seios de uma mulher.