Eu me sinto sufocada.
Angustiada com tamanha agonia entalada em minha garganta. Como fios de arame farpados enrolados ao redor do meu pescoço, agulhando minha pele até gotas de sangue espesso escorrer ferro abaixo.
A ferrugem derrete com a mistura ociosa entre as lágrimas salgadas e o sangue amargo, ambos saboreando minha dor.
Essa dor que há anos me corrói, por mais que eu morra, esta jamais irá embora.
Como um fantasma enlameado pela sua própria amargura, aquela que em sua pele se fundiu há eras. Juntos e fardados a eternidade de escuridão.
Porém uma luz já me iluminou por um tempo. Tempo que não volta, jamais voltará.
Sua risada que antes me aquecia tanto, hoje a lembrança me congela por um todo. Você era o meu tudo, Pai.
E eu sei que, não importa quantos minutos, horas, dias, semanas, meses ou anos se passe, eu nunca vou superar essa dor. Nunca vou esquecer a sensação de beijar a sua congelante pele ao descansar sobre um caixão, a pele que era tão quente e cheia de vida. A maciez de suas rugas tão elegantes, linhas de expressão cheias de história de uma vida toda para contar.
Ali, bem na minha frente, morto.
Desde aquele domingo, 25 de setembro de 2022, jamais pude me sentir viva novamente. E aquele pobre coveiro em uma tarde qualquer, enterrou-me junto a ti, meu querido Pai.
E para tentar amenizar essa dor, eu posso apenas abraçar aquele ursinho de pelúcia que o senhor me deu quando eu era criança. Que com tanto carinho eu o guardei.
Por ti serei eternamente grata na mesma intensidade que para sempre enlutada serei. Sou grata por ter tido a chance (e a sorte) de ser sua filha, de poder chamar de meu Pai um homem tão honrado. Jamais vou me esquecer dos seus conselhos. Me recuso a deixar cair no esquecimento da minha mente conturbada, o doce som da sua voz. Tão rouca e carregada de sabedoria, inundada de amor e ternura.
Foi contigo que eu aprendi que o homem pode amar.
A forma que o senhor me amou, ainda hoje me traz conforto mesmo que sua falta me traga tanta dor e solidão. Não acredito que você tenha se tornado um espírito, ou que esteja em outro plano, a única coisa em que creio é no teu amor. Pois amor era tudo o que você era e pra sempre será.
E da mesma forma, desejo com todo meu ser que, caso exista reincarnação, eu possa ser tua filha de novo. Eu preciso sentir-te mais uma vez. Mesmo que em outra vida, pois sei que você é amor em sua forma mais pura.
Se não, como ainda estou aqui, existindo sem ti?
É claro que eu estou vivendo por outras pessoas. Minha Mãe, meu Irmão, minha Tia, minha gata. Eles me dão forças para continuar, porque se eu estivesse sozinha, não seria capaz de suportar a dor de sentir a sua falta.
Eu preferia que eu tivesse morrido e você continuasse aqui, mesmo que de certa forma, eu tenha morrido do mesmo jeito.
Sua falta dói não só à mim mas a todos aqueles que tiveram a sorte de conhecer-te. Você sempre será lembrado e amado, Pai. Afinal, como odiar um homem tão carinhoso e alegre como você era? Um tanto bruto também, doce e duro perfeitamente como uma rapadura, assim como a Vovó dizia.
Você vibrava uma energia que eu jamais conseguirei replicar. Pois essa alegria foi com você.
Estou exausta de sentir esse vazio consumindo meu ser de forma tão cruel. E caso exista um deus, jamais o perdoarei por tirar o senhor de mim. Por tirar o meu lar, meu porto seguro.
Bom, eu preciso aprender a me amar da mesma maneira que você me amou. Vou pegar um pouco deste meu amor que por ti tanto transborda, rodeando em círculos sem um caminho para seguir, e vou me permitir sentir um pouco também. Eu mereço ser amada.
Eu te amo eternamente, meu Pai. Obrigada por tudo e por favor, me espere. Eu vou demorar um pouco para chegar, ainda tenho muito o que fazer aqui.
Cuide bem da minha Sobrinha e principalmente da minha Vovó, o senhor sabe que a velhinha é difícil de tomar conta.
03:05h Sexta, 10 de janeiro de 2025.