Letícia Alves

Eu vi uma Baleia Azul nas nuvens

Às vezes, quando chove ou está nublado, o abraço que aconchega a alma
é tão grande e intensamente denso e tenro que não sinto vontade de andar
de bicicleta. Amo andar nela, mas a roda do pensamento trava por alguns
instantes e em seu lugar flui a baleia azul feita de nuvens plácidas. A
preguiça que me faz imaginar e sentir como uma criança com o seu doce
imaginário esse universo falsificável; essa galáxia sem razão – perfeita.

— Quem poderia entender tal nuvem-animal? Tudo que foge do pensamento
para o coração é metafísica e nela a resposta não é sim ou não, nem baleia
nem imaginação, porque o que deita e descansa sutilmente no cerne do
coração é o que foi naturalmente derramado nele, como um cavalo alado
num sonho de criança que voa disparado e elegantemente com as asas
gloriosas, inexplicáveis.. É um contraste concebível apenas no coração.

Estando assim, muito longe para estar mais perto e muito perto
para estar tão longe – no limbo do horizonte –, encontro a
vontade-verdade de andar de bicicleta, de contar as estrelas,
de dançar euforicamente, de mudar de coração, de mudar o coração,
de vestir esse mesmo coração, de ver mais baleias azuis nas nuvens
brancas, de sentir o verão arder e o inverno a aconchegar esse lar.

Não quero dizer nada, pois, no limiar disso tudo, o coração fala
indefinidamente alto e ele sabe o que quer. O pensamento não
domina nada no campo das vontades do que somente o coração
vê; e o meu coração vê muito. Mais do que entender o mundo que o
rodeia, ele observa e só então sente. Sente como se o mundo fosse
ele. A bicicleta vai ter de esperar. As rodas só funcionarão outro dia.