Decidi ignorar o que quer que fosse aquela presença e saí da caverna novamente. Cada passo no breu era um lembrete do quão insignificante eu era naquele lugar. Mas também era uma oportunidade de entender o mundo que parecia existir além da caverna.
Caminhando por corredores úmidos e apertados, deparei-me com algo diferente. Um grande salão natural, onde luzes bioluminescentes do teto criavam um espetáculo surreal. Ali, um ecossistema inteiro pulsava com vida.
Vi criaturas herbívoras de tamanhos variados, alimentando-se de musgo luminescente que se agarrava às paredes. Pareciam inofensivas, mas notei como os predadores menores as cercavam, observando seus movimentos com precisão letal. O som de asas batiam no ar; insetos gigantes, com carapaças que brilhavam como metal polido, zumbiam de um lado a outro, colidindo com as estalactites e caindo em armadilhas feitas por pequenos répteis escamados.
No centro daquele salão, uma coisa me chamou a atenção: uma espécie de criatura híbrida, algo que eu jamais vira antes. Ela tinha o corpo de um herbívoro, mas seus olhos carregavam a astúcia de um predador. Era como se o ciclo de vida ali não fosse apenas predador e presa, mas algo mais complexo, mais fluido.
— Está vendo? — a voz ecoou novamente.
— Eles se adaptam. Diferentes espécies, diferentes propósitos. Aqui, não há regras fixas. É sobrevivência acima de tudo. Até mesmo você está se tornando parte disso.
— Não sou como eles. Sou um intruso. Um sobrevivente.
— Um sobrevivente? Olhe de novo. Você não é tão diferente assim. Você caça. Você come. Você luta. Não é isso o que todos eles fazem?
Eu queria contestar, mas as palavras não vieram. De alguma forma, eu sabia que o “Outro” estava certo. Cada dia que passava, cada pedaço da carne nojenta que eu comia, me conectava mais a esse lugar.
Continuei observando.
Havia ali uma ordem, mesmo no caos aparente. O musgo alimentava os herbívoros; os herbívoros eram caçados pelos predadores menores, que por sua vez eram o alimento dos maiores. E então havia os híbridos, espécies que pareciam ter evoluído para ocupar qualquer lacuna naquele ciclo, desafiando as noções que eu entendia como “naturais”.
— É fascinante, não é? — a voz continuou. — Mas também é inevitável. Você está se alimentando deles. O que acha que isso fará com você?
Fitei minhas mãos. Pareciam mais calejadas, mais fortes. Meus sentidos estavam mais aguçados. Era como se o mundo ao meu redor não fosse mais apenas ameaçador; ele agora parecia mais... familiar.
— Eu não vou mudar.
A voz apenas riu novamente, ecoando enquanto eu dava as costas àquele salão. O peso do que eu havia visto parecia esmagador. Eu queria acreditar que ainda era o mesmo homem que entrou naquele lugar. Mas, no fundo, algo em mim sabia a verdade.