Marta era emotiva, de uma perceptível brandura. Pedro era racional e de uma impaciência frenética. Pedro não lia nenhum tipo de livro e assistia filmes de aventuras e violentos. Marta amava ler romances, poesias e contos, assistir diversos tipos de filmes e séries, menos aqueles de violências desnecessárias, sem nenhum propósito. Gostava muito do poema “O tempo” de Mario Quintana e o relia sempre e refletia sobre cada palavra...
“Quando se vê, já são seis horas! (...) Quando se vê já é natal! (...) Quando se vê, passaram-se cinquenta anos! Agora é tarde demais para ser reprovado!”
Seguramente, Pedro, não conhecia a escola de filosofia que valorizava a virtude como o bem supremo e a crença dos estoicos em um universo governado pela razão. É sabido que o estoicismo não se deixa levar por crenças, paixões e sentimentos que possam tirar a racionalidade de uma pessoa. Na terapia estoica era transcendental a extirpação das emoções, consequentemente aprender a vivenciar a realidade racional. Mesmo assim, Pedro tinha essas características dos estoicos. Já Marta, com certeza, nunca havia lidos nada sobre a filosofia das emoções ou mesmo as discussões filosóficas sobre razão e emoção, mas tinha sua postura nada vida, sempre norteada por aspectos emocionais. Apesar de ler frequentemente, não tinha conhecimento sobre livros que abordaram esse tema. O certo é que tanto Marta quanto Paulo tinham posturas bem marcadas e diferenciadas em suas vidas, nos seus cotidianos!
Ainda sobre a Marta, podemos afirmar que ela se interessava por poesias, seguia muitos poetas, com vagar ardor e certa admiração. Participava de palestras, bienais, salões de leituras, principalmente de poesia. Pedro, por outro lado...
Pedro tinha 18 anos incompletos, Marta tinha 16 anos a completar-se.
Pedro tinha uma família de classe média abastada, amava carros, motos e era extremamente vaidoso. Era impaciente, algumas vezes vulgar, sempre viril. Vivia rodeado de amigos que admirava suas histórias, as histórias das suas viagens nas férias escolares. Algumas vezes, ele chegava a ser sádico, submetendo seus colegas a situações torturantes, desconfortáveis! O que ele queria era mostrar suas roupas, seus tênis, seu relógio caro. Já a Marta pertencia a uma família com certa posse, mas nada que se pudesse comparar ao patrimônio da família de Pedro. A família da Marta vivia bem, com certo conforto. Seus pais tinham uma chácara e Marta gostava muito de ir, nos feriados ou final de semana, para esse recanto, onde curtia o mugir das vacas, o coaxar dos sapos, em um banhado próximo da sua chácara, bem como o arrulhar das pombas, até mesmo o latir dos cachorros. Claro que esses ruídos eram de animais, em sua maioria, dos vizinhos, pois a chácara de sua família estava voltada para o lazer da família. Passava aí, na chácara, cercada de livros, flores e árvores. Gostava do tempo transparente, seco, fresco, do sussurro do vento, à noite, soprando, enchendo o ar de doces murmúrios.
Encontravam-se, Marta e Pedro, na escola e Marta chamava a atenção de Pedro por sua beleza e simpatia, seu sorriso pleno, deixando a mostra seus dentes grandes e brancos. Era atenciosa, espontânea, dedicada aos estudos e muito bem com a vida. Por outro lado, Pedro, não se detinha muito nos deveres de casa, era desleixado e sempre encontrava algum amigo que lhe dava as tarefas caseiras prontas e sem alardes. Suas notas eram irregulares, tendo algumas disciplinas em que se destacava, tais como as relativas ao esporte ou eventualmente algumas matérias como física ou matemática. Mesmo assim, muitas vezes não se dedicava a cumprir com suas obrigações escolares. Seus colegas mais próximos sempre o salvavam de algum problema, ajudando-o nas vésperas das provas.
Marta tinha sempre compromisso com as aulas, provas e as tarefas propostas pelos professores. Passava o tempo envolvida com suas atividades e seus amigos. Gostava muito de estudar em grupo e utilizava muito a biblioteca para se reunir com alguns de seus colegas. Também gostava das leituras exigidas pelo professor de literatura e explorava os livros que a escola, através da biblioteca, lhe ofertava. Seu temperamento era tranquilo, deixando a vida correr calma e suavemente, sem grandes sobressaltos.
Uma manhã, a diretora reuniu os alunos do colégio no anfiteatro para comunicar que a escola iria realizar um evento comemorativo para celebrar cinco décadas de existência de suas atividades escolares e gostaria de contar com os alunos para ajudar na organização desse evento. Sugeriu a realização de um sarau pelos alunos, onde seria apresentado textos, poesias, músicas, danças, ou seja, diversas representações artísticas. Após esse sarau, ocorreria, na noite seguinte, uma palestra realizada por um psicólogo que abordaria um tema sobre emoções e cognições. Assim, a diretora acreditava que a escola contemplaria essa data festiva, dando aporte aos seus alunos para participarem dessa data festiva. A diretora sugeriu a criação entre os alunos de uma comissão para a concretização do sarau e a Marta rapidamente se prontificou em participar dessa comissão organizadora. Por outro lado, Pedro não ficou motivado com esse evento, preferindo algo mais como uma reunião dançante, com muito funk, pop e rock.
A diretora convidou o professor de português e literatura para coordenar a organização do sarau. Este convidou Marta para auxiliá-lo nessa empreitada e prontamente foi atendido nessa ideia por ela. Organizou-se o sarau, planejando as atividades e definindo os temas. Nele constava danças, poesias, leitura de livros e teatro.
Assim se fez o sarau! O professor faria uma breve imersão no Livro do Desassossego, de Fernando Pessoa, na realidade o heterônimo de Pessoa, Bernardo Soares. Marta leria uma poesia de Clarice Lispector e Pedro apresentaria, com sua banda, uma música rock de sua autoria. Esses eram alguns elementos do sarau comemorativo.
Assim, se deu os eventos! O sarau teve a presença de alunos e pais dos alunos.
A palestra também atraiu muitos pais, ex-alunos e outros convidados. O palestrante desenvolveu o tema começando por afirmar que os seres humanos são os únicos seres que reconhecem cognitivamente as próprias emoções, sendo capazes de pensar a respeito delas. Deu ênfase ao termo cognição definindo-o como a capacidade de adquirir conhecimento, desenvolver emoções e compreender o mundo à nossa volta. O palestrando, ao final, foi muito aplaudido!
Marta ficou muito contente com o agradecimento do professor e da diretora e pelo sucesso do evento. Sentiu-se realizada e comentou com os pais em um determinado momento em que estavam juntos, durante o almoço, no dia seguinte, na cidade.
A Marta referiu-se a pesquisa que realizou sobre a palavra cognição e comentou sobre a raiz desta palavra: cognoscere que significa “conhecer”. Fizeram mais alguns comentários, logo após, cada membro da família foi para seus afazeres.
Os dias seguintes foram de provas e trabalhos para entregar. Isso significava muito tempo dedicado a escola, pois cada prova ou trabalho requeria dedicação plena para a realização dos mesmos. Marta cumpriu seus objetivos sem muito desgastes, pois estava sempre organizada com suas atividades escolares, mas Pedro necessitou recorrer a seus amigos para conseguir algum sucesso com os trabalhos e as provas, principalmente as provas de química, português e biologia. Essas necessidades fez o Pedro se aproximar da Marta, com o propósito de pedir-lhe alguma ajuda no conteúdo de português e biologia, principalmente. Marta prontamente ofereceu seu auxílio. Com tal propósito, marcaram uma reunião na escola no dia seguinte.
Nessa reunião, Marta pode perceber que Pedro estava muito defasado em português e seria necessário investir algumas tardes e muita atitude para dar alguma base ao Pedro na intenção e colocá-lo apto ao exame de português. Assim foi, mas exigiu de Marta muito esforço, pois Pedro repetidamente se dispersava fazendo piadas e procurando levar a discussão para outro enfoque, outras motivações.
Esse foi o contato mais próximo de Pedro e Marta. Seguramente Pedro gostou de Marta, mas Marta não via em Pedro nada interessante. Muito extrovertido, extremamente impulsivo e desconcentrado. Um tipo de personalidade que Marta não manifestava qualquer interesse. Ela já conhecia a fama de Pedro...
O ano terminou! Marta aprovada em todas as matérias. Pedro necessitando ainda fazer algumas provas de recuperação.
O tempo passou! Eles terminaram o ensino médico. Pedro nunca conseguiu tirar mais que alguns sorrisos e um certo olhar de indiferença de Marta.
Caro Leitor! Provavelmente você deve estar se preguntando aonde vai esta história? Sabemos que existem muitos casais que se unem, com promessas, mas são completamente diferentes nas suas personalidades. Vivem em conflitos permanentes. Aparentemente, conseguem administrar relativamente bem essas diferenças. Ledo engano! Basta um certo tempo para percebemos como tudo é difícil entre eles...
É sabido que o relacionamento é uma união de duas ou mais pessoas que decidem compartilhar a vida, trazendo consigo suas próprias experiências, opiniões, costumes e sentimentos. Relacionar-se requer uma ligação afetiva, profissional ou de amizade entre pessoas que se unem com os mesmos objetivos e interesses. É necessário consciência, conivência, comunicação e atitudes que devem ser recíprocas, ou seja, ligação afetiva.
Será que existiria possibilidade de Marta e Paulo se tornarem amigos ou namorados? Deixo aos leitores essa reflexão! Enquanto a Marta e sua família participavam da palestra, na escola de Marta e Paulo; a família de Paulo estava participando de um churrasco e ele, Paulo, jogando futebol em um outro lugar da cidade. Aí está mais um aspecto para sua análise... Existe por aí, uma falsa crença afirmando que os opostos se atraem ou que os casais diferentes são os que dão certo e se complementam! A princípio sim, o que percebemos como novidade ou diferente pode nos atrair muito, num primeiro momento. Entretanto, passada a curiosidade própria do ser humano, o que virá nos dias seguintes?