Lua em Libra

#4 - ENTRE O ABISMO E A ESPADA - CAPTULO 1: A CAIDA

Os dias se passaram — ou ao menos, eu assumo que passaram. Aqui, não existe um ciclo claro de dia e noite, apenas o breu eterno pontuado por momentos de perigo ou silêncio absoluto. Meu corpo perdeu a noção do tempo. Cada hora parecia um dia; cada dia, uma eternidade.


A rotina começou a se moldar ao ambiente. Minha prioridade era sobreviver e protegê-la. Todas as manhãs — ou o que eu considerava como manhã — eu me armava com os restos improvisados das criaturas que matei antes. Ossos afiados e escamas endurecidas se tornaram minhas ferramentas de caça. A caverna era segura, mas eu precisava sair regularmente em busca de algo para comer. A carne dos monstros era nojenta, mas alimentava. Sua textura gelatinosa e gosto amargo quase me faziam vomitar, mas eu não tinha escolha. O pior era a incerteza: seria essa carne tóxica? Estava me envenenando lentamente? Não havia como saber.


Minha preocupação maior, no entanto, era ela. Ainda inconsciente, seu corpo parecia tão frágil, mas uma aura estranha emanava dela. Comecei a perceber que, mesmo sem comer ou beber, ela continuava estável. No início, tentei oferecer pequenos pedaços da carne que trazia ou gotas da água que pingava das estalactites. Nada parecia surtir efeito, mas também não havia sinais de piora. Era como se ela estivesse suspensa em um estado além da compreensão humana.


Enquanto eu lutava para sobreviver, não podia evitar os pensamentos que me assombravam. “Por que estamos aqui? O que é este lugar? Foi minha culpa que ela acabou nesse estado? Essa caverna é um refúgio ou apenas uma cela esperando para nos consumir?”
Nos intervalos entre as caças e a vigília, eu falava com ela. Sabia que não poderia ouvir, mas minha voz era a única coisa que me conectava ao que restava de humanidade.


— Eu queria entender, sabe? Queria saber se você sente o mesmo que eu... se você consegue ouvir o quanto eu estou tentando por nós dois.
Em um desses momentos de reflexão, algo começou a mudar. A caverna, antes sombria e hostil, começava a se transformar. Pequenas luzes pulsantes emergiam das paredes, como vagalumes dançando no ar. O limo negro que antes revestia tudo agora brilhava com tons de dourado e prateado, iluminando o ambiente com uma beleza surreal. As estalactites brilhavam como cristais, refletindo a luz emanada dela.


Eu observava em silêncio, sem saber o que pensar. Era como se a própria essência dela estivesse moldando o ambiente. As luzes que saíam de seu corpo fluíam para o teto e as paredes, criando desenhos complexos e fluidos, como se contassem uma história que eu ainda não era capaz de compreender. A caverna havia se tornado um santuário, um lugar indescritivelmente belo em meio àquele inferno.


— O que você é? — sussurrei, sentado ao lado dela, observando a luz que dançava em sua pele. — Quem é você, e por que sinto que tudo isso é maior do que eu posso entender?


Mesmo com essa transformação, minha rotina de sobrevivência continuava. Eu saía da caverna com armas improvisadas, enfrentava criaturas que surgiam das sombras e trazia o que podia para manter minha energia. A carne dos monstros, mesmo repugnante, havia se tornado um alicerce. Mas algo dentro de mim mudava a cada pedaço que eu consumia. Me sentia mais forte, mais resistente, mas também menos... humano. Como se cada mordida roubasse um pedaço de quem eu era.


Voltando de uma dessas caças, me sentei ao lado dela novamente, observando-a dormir em meio à luz.
— Eu faria isso mil vezes se significasse te proteger — murmurei. — Mas, por favor, acorde. Preciso saber que você está bem... que tudo isso vale a pena.


O tempo havia perdido todo o significado. Não sabia mais se eram dias, semanas ou meses desde que chegamos ali. A caverna era um refúgio, mas minha mente estava em pedaços. Cada dia que passava, as perguntas em minha cabeça apenas se multiplicavam.
“Quem nos colocou aqui? Por quê? E se isso não for apenas um lugar... e se for um julgamento?”


Não havia respostas, apenas as luzes que continuavam a transformar aquele lugar em algo mais, algo que transcendia o pesadelo que vivíamos. Tudo o que eu podia fazer era esperar. E lutar.