O Diário de um Planeta Solitário
No centro do Universo, um planeta, aprisionado em sua órbita pela implacável força gravitacional, nutria o desejo de romper com sua própria natureza e aventurar-se por outros sistemas.
Ansiava libertar-se do cárcere invisível que, inconscientemente, sempre o envolveu, para assim escapar da solidão que o consumia e finalmente sanar sua maior dúvida: haveria neste vasto espaço algum ser tão dotado de autoconsciência e juízo quanto ele?
Embora soubesse da existência de outros planetas, nunca teve certeza se eram entidades conscientes ou meras esferas vazias de conhecimento, destituídas de qualquer traço de cognição. Ainda que fosse possível descobrir, outra inquietação o acometia: como poderia saber se eram pensantes, se jamais visitará seus núcleos?
De longe, contemplava os corpos celestes que tanto desejava conhecer, e entre todos, um em especial tomava sua atenção: um astro azul celeste, adornado por anéis de um violeta hipnotizante. Era a visão de uma beleza singular, mas que apenas reforçava sua melancolia. Afinal, como poderia nutrir fantasias tão prepotentes, se jamais se libertaria da prisão de sua órbita gravitacional?
Preso a um ciclo monocromático, encontrava-se num corpo laranja escaldante, tão distante de um azul glorioso, cores que, em sua fusão, prometiam um mundo neutro e desolador. E assim, uma nova questão surgiu: valeria a pena experimentar um ínfimo instante de felicidade, mesmo sabendo que o destino final seria tão lúgubre?
Se nunca conhecera nada além da solidão, como poderia ter certeza de que já não vivia em plena felicidade? Porém, em suas entranhas, sentia que sua solidão não poderia ser o júbilo de sua alma. E então, uma dúvida mais inquietante surgiu: possuiria ele, afinal, uma alma?
Sabia ser dotado de fogo, pois via as chamas cintilarem em sua superfície. Mas sua alma... jamais a avistou. Lembrou-se, contudo, de que algumas coisas não podem ser vistas; apenas sentidas, como o calor de suas chamas que, sem dúvida, sabia ser real.
Ainda assim, como poderia ter certeza de que já sentiu sua própria alma? O que seria ela em síntese? Decidiu por fim, listar tudo o que era capaz de sentir:
Sentia sede, pois em sua superfície já não havia água.
Sentia a curiosidade borbulhando em suas camadas, como formigas por debaixo da pele.
Sentia um calor tão escaldante que mergulhava sua mente em uma profunda entropia.
Sentia solidão, seria ela, de fato ruim?
No entanto, nenhuma dessas sensações parecia se assemelhar a uma alma. Ou será que, de alguma forma, todas elas estavam entrelaçadas com ela? Poderia sua alma ser, enfim, o conjunto de tudo o que ele era?
Se ela era tão importante assim, se algum dia chegasse o momento, estaria ele, preparado para sacrifica-la, em troca da tão incerta felicidade, que poderia existir na companhia de outro ser?
O planeta passou a refletir, que a prisão talvez não fosse sua órbita, mas os limites que ele mesmo impunha à sua existência.
Talvez, pensou, a solidão fosse apenas uma ilusão, uma sombra projetada pelo medo do cotidiano, de se despedaçar em uma vida monótona e igual.
Conformado com as conclusões que havia tomado, guardava agora, apenas a esperança de que mesmo preso ao seu caminho invisível, ainda poderia lançar fragmentos de si ao cosmos, sinais tímidos de sua presença, esperando que, um dia, alguma resposta ecoasse de volta.