joaquim cesario de mello

O LADO OCULTO DOS RETRATOS

 

Meus mortos moram nos retratos

e no fundo desmemoriado do escuro

em que lembranças esquecidiças

jamais verão a luz do sol de mim

 

Sei que meus mortos comiam

bebiam, conversavam e praguejavam

porém não lembro dos pratos

dos rótulos das garrafas

sobre o que falavam

nem recordo quem xingavam

 

Há silêncios em minha alma

enormes corredores entrelaçados

entupidos de minúcias espalhadas

sons, cheiros, sabores, ruídos

aromas, imagens, rostos e cenas

em que transitei no construir de quem sou

 

Cada molécula e átomo de mim

traz em si miúdas ossadas de história

a cimentar invisível as paredes da casa

onde me habito e comigo meus mortos

 

Quanto mais minutos eu vivo

mais lembranças são enterradas

nos lados ocultos dos retratos

cada detalhe, cada pormenor

restos, resíduos e destroços

escombros e refugos de mim

soterrados no subsolo da memória

 

Se os retratos falassem

talvez me dissessem

como cheguei nesta foto

e para onde foram meus mortos