Meus mortos moram nos retratos
e no fundo desmemoriado do escuro
em que lembranças esquecidiças
jamais verão a luz do sol de mim
Sei que meus mortos comiam
bebiam, conversavam e praguejavam
porém não lembro dos pratos
dos rótulos das garrafas
sobre o que falavam
nem recordo quem xingavam
Há silêncios em minha alma
enormes corredores entrelaçados
entupidos de minúcias espalhadas
sons, cheiros, sabores, ruídos
aromas, imagens, rostos e cenas
em que transitei no construir de quem sou
Cada molécula e átomo de mim
traz em si miúdas ossadas de história
a cimentar invisível as paredes da casa
onde me habito e comigo meus mortos
Quanto mais minutos eu vivo
mais lembranças são enterradas
nos lados ocultos dos retratos
cada detalhe, cada pormenor
restos, resíduos e destroços
escombros e refugos de mim
soterrados no subsolo da memória
Se os retratos falassem
talvez me dissessem
como cheguei nesta foto
e para onde foram meus mortos