Carlos Lucena

O REI QUE FUGIU PARA PASSÁRGADA

O REI QUE FUGIU PARA PASSÁRGADA

Há mulher que chora 
Sem saber porquê 
E há velha que resmunga
Sem nada dizer.
Enquanto há moça que rir
Sem saber de quê.

E a marcha segue 
Sem saber pra onde
Mas segue marchando 
Pois não há quem negue
Que nessa coluna
Há um canto triste
De quem está chorando.

Há mulher que reza
De terço na mão 
Há também o homem
Que erra o compasso 
Crendo que o abraço
Vem-lhe só coração.

Gentes perfumadas
Banhadas de rosas 
São as preferidas
São as mais amadas 
E também as mais ditosas
Logo escolhidas
Por não terem odor
E cabem-lhe ao peito
Com grande favor.

Ninas tão singelas
Magras amarelas
Todas tão perdidas
Crendo que a vida
Tirem-lhe da dor
Mas nem sequer um olhar
Do gentil senhor
Vem para enganar aquelas donzelas
E não sabem elas
Que o ditoso rei
Já as deserdou.

E os velhos de olhar profundo
Olham para o rei
Sem olhar pro mundo
Mas o rei vive tão perdido 
Pois até seus sonhos 
Foram preteridos 
E esse rei tão forte 
Preso a tal sorte
Pode um dia ser vencido.

E as velhas carolas
Continuam lá 
Em longas cantorias
Mil Ave Marias
Não cessam de rezar.

Como carpideiras
Penoso carpir 
Entoam  sem parar
E como cantadeiras
Em suas cadeiras
Diante do ataúde 
Com os seus rosários 
Já bem amiúde 
Reclamam em seus ofícios 
Mesmo sem falar
E fazem sacrifícios
Para o rei ficar.

Mas o rei tão belo
Neste seu libelo
Não está disposto
Pois lhe falta o séquito 
E lhe assusta o posto
Também seu exército 
Pôs-se a enfraquecer
Preteriu a luta
E esse rei filho da puta
Fugiu pra Passárgada
Onde lá foi se esconder.