O REI QUE FUGIU PARA PASSÁRGADA
Há mulher que chora
Sem saber porquê
E há velha que resmunga
Sem nada dizer.
Enquanto há moça que rir
Sem saber de quê.
E a marcha segue
Sem saber pra onde
Mas segue marchando
Pois não há quem negue
Que nessa coluna
Há um canto triste
De quem está chorando.
Há mulher que reza
De terço na mão
Há também o homem
Que erra o compasso
Crendo que o abraço
Vem-lhe só coração.
Gentes perfumadas
Banhadas de rosas
São as preferidas
São as mais amadas
E também as mais ditosas
Logo escolhidas
Por não terem odor
E cabem-lhe ao peito
Com grande favor.
Ninas tão singelas
Magras amarelas
Todas tão perdidas
Crendo que a vida
Tirem-lhe da dor
Mas nem sequer um olhar
Do gentil senhor
Vem para enganar aquelas donzelas
E não sabem elas
Que o ditoso rei
Já as deserdou.
E os velhos de olhar profundo
Olham para o rei
Sem olhar pro mundo
Mas o rei vive tão perdido
Pois até seus sonhos
Foram preteridos
E esse rei tão forte
Preso a tal sorte
Pode um dia ser vencido.
E as velhas carolas
Continuam lá
Em longas cantorias
Mil Ave Marias
Não cessam de rezar.
Como carpideiras
Penoso carpir
Entoam sem parar
E como cantadeiras
Em suas cadeiras
Diante do ataúde
Com os seus rosários
Já bem amiúde
Reclamam em seus ofícios
Mesmo sem falar
E fazem sacrifícios
Para o rei ficar.
Mas o rei tão belo
Neste seu libelo
Não está disposto
Pois lhe falta o séquito
E lhe assusta o posto
Também seu exército
Pôs-se a enfraquecer
Preteriu a luta
E esse rei filho da puta
Fugiu pra Passárgada
Onde lá foi se esconder.