C de carencia

Póstumas memórias de um vazio engavetado

Quem vos escreve agora, já não sou mais eu;

Eu aquele que lhe escutou, ajudou ou lhe quis;

Aqui quem fala é a máscara do tal;

Que já não está tão puro quanto tentou ser.

 

Ao primeiro dia em que te vi;

Sentada ao lado com teu jeito meigo;

Questionando, interessada, com fervor em tua existência;

Fez presente como pessoa, não número ou qualquer, mas Ser individual.

 

Um lapso de pensamento caiu em terreno fértil que era minha imaginação;

Foi-se logo desabrochando e tomando conta do resto do meu existir;

Me fez sentir em chuva, mesmo que em sol;

Fiz de tão suave deleite, motivo de mutilação.

 

Em dia de evento, pude então perceber oque queria;

Por mais que indigno e egoísta, ainda almejava;

Pedia a Deus para que reconciliasse e purificasse;

Como punição para tais desejos, me coloquei em cárcere.

 

Me desfiz de próprio Ser, ainda agora, sou duas metades;

Não sei ao certo o porquê, apenas me mantém são;

Uma face com controle e que mantém utópica a ideia de reciprocidade;

E outra esperançosa, mas sem raiz devido sua criação tão repentina.

 

Só existiram dois dias, os com e sem você;

Tão raros os que se fez presente, mas tão valiosos quanto o aprendizado do perder;

Dediquei-me ferozmente por um bom resultado, apenas para acabar mantendo mesmo estado;

E então nos que percebia tamanha falha por minha parte, debruçava-me em verde.

 

Aquela árvore que tanto absorveu minhas lágrimas;

Aquela grama que me concedeu o carinho que precisava;

Aquele céu azul e nuvens límpidas, que me remetiam a beleza do viver;

E o sol, que queimava meus pesares.

 

Com o tempo desenvolvi autopiedade;

Quis manter vivo o sonho do poder ser feliz;

Tentei diversas vezes, mantive palavras boas e incentivos;

Não foi o suficiente, continuo até hoje sendo só um segundo lugar.

 

Ao despertar de um coração tão judiado, pude então me fazer pessoa;

No dia que me prende ao fim, engoli as mais belas palavras que já se passaram por minha mente;

Quis tanto proferi-las, esbraveja-las e proclama-las para vosso Ser;

Não que fosse tarde, mas não eram de verdadeira completude para ti.

 

Me recordei do jeito que agarrou meu pulso pela primeira vez;

Um pequeno comentário sobre uma insegurança, pensei logo que teria vergonha de mim mesmo;

Fez-se então luz em meu caminho, acolheu como quem nunca apenas ignorou e amou;

Seguiu em viagem e eu confuso do real significado.

 

Para ser sincero, ainda não entendo, tão suave movimento;

Tão libertas palavras, toque e olhar;

Me dissestes que não houve, mas então porquê voltastes?

Para mim ao menos, foi real.