Olho várias vezes para um rio,
nesse rio corre o riacho.
Do céu, voa o tempo,
assobios da aurora
trazem o amanhecer.
A luz lavada pelas horas
vem aos meus olhos, mágoa,
mas sei que não vejo.
A água me cegou.
Olho várias vezes para um rio,
nesse rio corre o riacho.
Do céu, chega a tarde,
serena majestade
que ressoa calma tonalidade.
O pousar da chuva pelas águas.
Tão suave, encantadora cantora,
mas eu ouço um ruído.
A água, sim, gritou
a sua quebra nas rochas,
um som liso da tormenta.
Redemoinho que formou.
O fluxo quebra e sai,
vejo o que veio fluir,
mas ainda conto o fluxo.
Conto o caminho do Sol sobre ele,
do dia que ele o trará novamente,
inseparável ao dia.
Olho várias vezes para um rio,
nesse rio corre o riacho.
Do céu, pinta a vida,
no voo do antigo viajante,
o silêncio que ausenta
a confortável poltrona natural.
Abaixo, sustenta a paisagem,
ou meu reflexo no rio?
A água se calou
pela grácil noite,
sem dizer adeus.
Seguiu para igual
não pudesse falar
se as flores à margem olham torto
para a direção que a vista me levou.
Enquanto murcham,
parecem julgar
umas as outras,
a menor e a maior.
A ainda mais velha,
a mais bela, revela
o talvez sonho febril lento,
no passado que soa nas suas cores.
Enganam meu olhar rápido,
como se nelas, dores não existissem.
E fluiu também
longe de meus ouvidos,
calada pelas árvores falantes,
ainda que ouça sua memória
tão presente como já foi,
dona do rumo que observo.
Afogada, mas sempre na superfície.
Penso que o rio parou,
mas olho várias vezes o rio
que fora fixa a correnteza.
Um gelo morno, refletia
o desprazer da incerteza.
Para quem estou olhando?
Para o espelho das águas?
Ou, um espelho velho que ainda há de existir
até nas asas de um relógio universal que sempre
voará.