Me acostumaram a viver só,
A conviver só,
A lidar com o caos da vida sozinha,
A guardar os sentimentos em caixas fechadas,
A não falar quando os adultos falavam,
A aceitar o \"não\" sem questionar,
Sem nunca perguntar o porquê de nada.
Não podia perguntar,
Não podia opinar,
Muito menos formalizar um pensamento,
Sobre a vida ou sobre mim.
Fui moldada em silêncio,
Com palavras nunca ditas,
E perguntas que morreram na garganta.
Roubam-me os momentos, sem que eu peça,
O silêncio que imploro se desfaz,
As horas que anseio para repousar
Se dissolvem em deveres que me atam.
Hoje sei que tenho autonomia,
Que posso abrir portas, derrubar paredes,
Mas há prateleiras dentro de mim,
Repletas de coisas que não escolhi.
São sombras que nunca pediram licença,
Invadiram, se instalaram,
E permanecem como ecos antigos.
Funcionar é tudo o que me resta,
Uma máquina que pulsa sem escolha,
Enquanto o tempo, cruel e fugaz,
Me escapa pelas frestas das horas.
Oh, vida que nunca se acomoda,
Por que não cedes um instante só meu?
Roubam-me o agora, o ser e o nada,
E eu sigo vazia, sem saber quem sou eu.