Sezar Kosta

O AMOR QUE ME APAGA E ME ESCREVE

Você chegou como quem não pede licença,

um vento que atravessa janelas fechadas.

Seu amor, voraz, tinha fome de mundo,

e o mundo, naquele instante, era eu.

 

Primeiro, roubou meu nome,

como quem apaga um eco inútil.

Depois, dissolveu os contornos da minha história,

desenhou em mim um mapa que só leva a você.

 

Minhas raízes, tão fundas,

foram arrancadas sem piedade,

como se o solo da minha alma

não bastasse para me sustentar.

 

Você tomou os espaços onde eu me escondia,

invadiu os corredores dos meus pensamentos,

pintou as paredes com suas cores,

apagou os quadros que eu pendurei com tanto cuidado.

 

Até as minhas lembranças,

antes tão minhas,

agora sussurram com sua voz.

 

E eu me pergunto:

o que sobrou de mim,

além da sombra que você ilumina?

Será que existo fora desse amor,

ou me tornei apenas reflexo

do que você é?

 

Mas o amor nunca é simples.

Ele me devora para me recriar,

me apaga para me gravar de novo,

como o escultor que lixa a pedra

até encontrar outra forma de beleza.

 

E eu, sem nome, sem raízes,

entendo que ser só eu

talvez nunca tenha sido suficiente.

 

Há algo de sombrio nisso, porém:

o que é o amor que apaga?

Entrega ou perda?

Renascimento ou fim?

Você me desenhou em suas linhas,

mas quem segura o lápis?

 

No fundo, sei:

não é só você a culpada.

Eu te dei as chaves,

abri as portas,

me ofereci como abrigo.

 

E, mesmo enquanto me perco,

descubro que a entrega é um risco,

mas também um milagre.

 

Agora me pergunto:

amar é sempre morrer um pouco,

ou podemos nos guardar inteiros

na luz de quem chega?

 

Enquanto devoro essas dúvidas,

o amor continua,

voraz e imenso,

me desfazendo e me refazendo,

como o mar que apaga pegadas na areia,

mas nunca deixa de ser mar.