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Asas feitas de lata

As pessoas esperavam de mim outro tipo de reciprocidade.

Talvez estivessem à espera que eu servisse os seus maiores desejos em travessas de ouro, quando eu só sei servir o meu próprio sangue em terrinas de prata. 

Eu sou uma pessoa real, feita de latão, enferrujada pela oxidação das minhas próprias lágrimas. 

Os meus órgãos são viscerais, como os de toda a gente, tenho medos, tenho sonhos, tenho crenças, amores e ódios, como todos os outros. Eu sou uma mulher translúcida, de água, não posso fingir que sou feita de cristal. Deixei de forçar o meu corpo a caber nas formas de gelo a que queriam que eu me adaptasse.

Sou peculiar, sou irritante, sou embirrante.

As pessoas confundem a maciez e textura tenra da minha carne sangrável com a textura moldável da plasticina. 

Criei esta imagem de Homem de lata que é feito de ferro, este pedaço oco de positividade. 

Preguei aos Céus, convicta de que era um anjo. 

Estranham quando fervo num deserto sem água, quando explodo sem pólvora, quando sou a cólera disfarçada de gente. 

\"Mas, como pode um anjo viver entre a gente disfarçado de revolta?\"