Elison Rocha

É um costume meu; é um costume nosso

 

É um costume meu utilizar a filosofia como égide para as minha abstrações

Entendendo que ser amigo do conhecimento implica em ser seu escravo e eterno fiel

Eu continuo escrevendo para mim mesmo, esperando que seja postumamente descoberto

Exigindo reconhecimento e aprovação, me achando esperto

 

É um costume meu querer ser, ao mesmo tempo, compreensivo e radical

Humililde e arrogante

Atento e ignorante

Relevante e insignificante

 

É um costume meu deixar tudo fluir

Ir aonde deve ir

Ser o que deve ser

Mesmo sabendo que no fim nada deve ser nada e o propósito do que existe é conceito artificial criado por seres humanos desesperados por sentido 

 

E agora que já expus tanto sobre mim

Nada mais justo que falar sobre a realidade dos fatos 

Mantida na periferia da maioria das mentes

Que, por excesso de distração e escassez de direcionamento, impõem aos fatos esquecimento

 

É um costume nosso deixar para amanhã o que podemos fazer hoje

Contudo, o amanhã não existe.

Trata-se de uma abstração criada para definir o que já está aí: 

O hoje

O amanhã é ilusório por sempre ser hoje

O hoje é cruel por ser realidade que, sobretudo ao ser consumada, deflagra a nossa insignificância

 

É um costume nossso normalizar as mortes, os desastres e catástrofes

Pois, em defesa própria, optamos por abrir mão da coletividade

Entendemos não ser seguro exercer a ética estética, a cultura de si

A descoberta da verdade

A liberdade

Tudo é muito doloroso

O tempo é curto

As pessoas não são confiavéis porque eu também não sou

O que é ser confiável?

O que é tudo?

O que é liberdade?

O que é verdade?

Relativização...

Um enorme e perigoso problema da atual civilização

Um problema radical da conjuntura social

E a solução? Não, melhor não. Deixa para amanhã.

 

É um costume nosso seguir regras em relações de poder por assujeitamento

Aceitar a normatividade imposta, que cerceia a nossa liberdade e torna as nossas vulnerabilidades cada vez mais expostas

 

É costume nosso eleger como se o voto para algo servisse

Ignorando o fato de que este apenas altera o nosso algoz

 

É costume nosso clamar por salvação

Pois a religião é, ao mesmo tempo, representação e repúdio a desgraça, a dor, ao sofrimento, ao medo, a solidão

Religião é confissão

Confissão é desnudar o íntimo, o oculto

Religião e confissão é submissão

 

É costume nosso abrir mão da liberdade em troca de um pouco de segurança

Em troca de um emprego insalubre

Em troca de um salário insuficiente

Em troca de aprovação

Em troca de um amor que valha uma migalha

 

É costume nosso ignorar a natureza

Não ver que o venta venta

Que a maré mareia

Que o sapo sapeia

Que a girafa girafeia

Que a roda do mundo gira, feia vida