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Carta de amor ao Amor

Que dor sinto peito sempre que penso em ti, Amor. 

É uma dor dormente, uma pontada por afiar, uma facada seca que trespassa todos os meus outros sentimentos, que tira de mim o sentido de qualquer outra coisa. 

A dada altura deixei de saber o teu nome, deixei de conhecer os teus traços, já não te reconheço nos olhos de ninguém. 

Amor, meu amor, que te perdi sem nunca te ter tido, que sonhei tanto contigo sem nunca te ter conhecido. Por momentos, vi-me de frente com a realidade, sem te ver, perguntando-me a mim mesma se tu sequer existes ou se tudo aquilo que passámos é fruto da minha imaginação fértil. 

Quero-te, Amor.

Quero saber o quão manchado fica o meu coração depois de passares por ele. Sinto que nunca te encontrarei, pois nem posso dizer com certeza se existes. Tornaste-te na maior lenda urbana da minha vida, na maior mentira e na única verdade em que acredito, tornaste-te em nada mesmo que sempre tivesses sido tudo, Amor. 

Não sei do teu paradeiro e isso desespera-me. 

Desespera-me a tua ausência, a tua inconstância, a maneira como só pareces existir dentro das janelas da minha alma, pois inevitavelmente sempre te procurei fora de mim, mesmo que já me fosses intrínseco.

Sempre achei que o tamanho que ocupas dentro do meu peito não fosse suficiente, que talvez quisesses transbordar e escorrer por mim abaixo, pelas minhas mãos, pelas minhas costas, pernas, pelo meu cabelo, que talvez quisesses inundar o mundo através dos meus olhos e das minhas palavras. Porém, como tudo, fora de mim apodreceste e mal tocaste no chão tornaste-te em veneno. Fizeste com que todas as flores perto do meu ser morressem, que todas as formas de vida se contorcessem em agonia e em rejeição, como se tu fosses um agente estranho incapaz de ser absorvido pelos seus corpos efémeros. 

Talvez eles não te conheçam da mesma maneira que eu, Amor. 

Talvez eles não saibam que tu és a cura, o profeta e o caminho, tu és Pai, Filho e Espírito Santo, és a luz, a penumbra e a escuridão, o vácuo e a matéria. 

Tu és tudo, Amor. 

És um sentimento inexplicável de conexão entre almas. E por ti, Amor, eu sou capaz de qualquer coisa.

Sou capaz de esperar por ti, pelo dia em que, ao reconhecer-te nos olhos de outra pessoa, permita que me infetes e tomes conta de todo o meu corpo e espírito como se fosses uma febre, uma doença incurável e que habites dentro de mim para sempre. Espero que essa doce infecção nunca abandone a banda que toca o ritmo do meu peito, que seja algo eterno e que tu, Amor, vivas perpetuamente no meu frágil âmago, dois dedos abaixo do meu mediastino. 

Eu amo-te.

Um dia, quando eu partir, abandona as minhas entranhas e espalha-te pelo mundo. Farei um esforço para viver por ti, para que possas transbordar após a minha morte e não envenenes o mundo. Tentarei deixar-te maduro enquanto por aqui andar, para que sejas capaz de viver fora de mim sem ferir ninguém, mesmo quando eu for apenas uma memória perdida no álbum de fotos de alguém, e que vivas eternamente dentro de cada pequena unidade celular em cada um deles, cada um que eu carinhosamente amei. 

Amor, sê forte. 

Vivemos períodos negros em que ninguém te leva no bolso quando sai de casa de manhã, ninguém cuida de ti, ninguém te dá valor. Ainda virá um mundo em que quem manda és tu, Amor. Serás o rei deles tal qual és o meu. Serás a palavra e a força de Deus, pois tu próprio o és. 

Sê forte.

Talvez, e só talvez, um dia sejas grande e forte o suficiente para transcenderes o plano intangível das palavras e te tornes tão palpável e sufocante como um abraço, abraço esse que envolverá o mundo no espaço que existe entre eu e os outros e jamais o soltará, mantendo-o preso numa espiral asfixiante da tua essência.