ESCÁRNIO
Queime até o último fio,
não importa onde eu caia,
pois este peito, que outrora gritava,
já não teme o golpe,
nem a desordem que consome.
Sou carne, exposta e pulsante,
dançando nas ondas da emoção,
o reflexo de tudo que se perdeu,
remendado por cicatrizes que ainda ardem.
Que venha o próximo abismo,
pois antes da decomposição,
há sempre uma queda a enfrentar.
Aquele sorriso,
oh, cruel tentação!
Veneno doce que me envenena.
Seus lábios, curvados em desdém,
prendem-me numa prisão sem grades,
onde o toque é lâmina,
e o desejo, fogo que consome
o que resta da razão.
O prazer misturado à agonia
torna-se o rito da minha desordem.
Eu me dobro, me entrego,
sem jamais entender
se é ela quem me possui
ou se sou eu quem se rende.
Nas pedras do Hades,
onde os gritos se calam,
a carne se desfaz e a alma treme.
Mas mesmo na dissolução,
algo clama por mais.
Mesmo sabendo
que cada passo
é outra forma de morrer.
Então Ela ri, insana, cruel,
e nesse riso eu me perco.
Minha humanidade se quebra,
pedaço por pedaço,
até restar apenas o vazio
de quem fui um dia.
Que minha sorte seja completa,
Um último ato de rendição.
Na verdade crua,
encontrarei o renascimento.
E se morrer novamente for o preço,
que assim seja.
Pois a dor já não é limite,
mas forma de existir.
C.Araujo