Os relógios exprimem as horas
os calendários dizem os dias
os réveillons falam dos anos
os aniversários confessam as idades
mas quem revela o tempo são os cabelos
Quando nasci meus cabelos estavam molhados
pelas águas oceânicas do ventre da minha mãe
e depois quando secado eram finos escassos
e tive medo de crescer quase careca ou calvo
Quando criança era alourado
pois minha mãe os pintava
talvez quisesse um filho germânico
ou haver casado com um escandinavo
Na adolescência meus cabelos eram encaracolados
cheguei até usar rabo-de-cavalo
tinha medo de servir o exército
e ter que apará-los ou raspá-los
Quando me casei meus cabelos estavam todos lá
eles viram minha filha nascer
me formar professor e psicólogo
e ainda os tenho em alguns retratos
Mas os relógios continuavam a devorar as horas
os calendários a rasgar os dias
os réveillons a assassinar os anos
e os aniversários a elevar minhas idades
Hoje meus cabelos são poucos e ralos
o alourado da minha mãe virou grisalho
não posso usar mais rabo-de-cavalo
e minha filha me transformou em avô
No folhear dos meus cabelos
conheço o tempo