O sol mergulha na noite, as aves voam para longe
e eu sinto a existência muito mais perto de mim.
As paredes registram esse momento bonito-finito.
O meu 1Tudo e a luz duma vida precipitam-se e
põem-se com o sol para outro dia. O que morreu
já está debaixo da terra, rego agora outras flores.
O jardim muda e se recupera enquanto as estações
caminham como o pôr do sol caminha – a verdadeira
2Égide da Vida. A brevidade, essa fragrância ligeira,
me desperta da vida que traz sono.
Na estrada que escolhi enfrento construções estranhas
e desuniformes (tanto de dentro quanto para fora).
Vejo o que não há: a falta planta a procura – o que está
perdido dissolve-se na multidão. Vasculho o coração
e encontro-o adormecido em sono profundo.
Tudo que se perde, se perde com um propósito e às vezes
o motivo é ser achado mais uma vez, como algo novo.
Em algum lugar coisas pequenas são depositadas, mas
nunca apagadas por completo, pois a água, a lua, a área
do amor: tudo isso em si continua a existir em 3potência,
em memória e em reverência à existência.
A construção inacabada
– que também sou eu –
espelha o sol poente.
O desuniforme atenua a necessidade do uniforme
e o uniforme atenua a necessidade do desuniforme...
Tudo aquilo que há por detrás ou pelo fundo daquelas
coisas é significância insignificante – os caminhos são
tortos e impetuosos; o que há no meio e no agora é
insignificância significativa – maternal, ínfima e residual.
A esta última sou devota. Todo o resto não importa.
Arde a vida, esta única de todos, sendo tecida, sendo...
Onde a vida está cantando o 4Amor será uma entrega natural
e as lágrimas não foram nenhum mal. Limpar o caminho é
preciso, construir-se é resultado disso. A falta de forma
forma o meu coração. É vida de novo. Arde e Abranda.
Chora e canta. A lua ascende no céu e o meu coração
agora descansa como uma criança com suas reminiscências.
[e no zunir do vento minha alma chama,
chama em chamas e, por fim, canta]
1 Tudo representa todas as minhas vontades, todos os meus sentimentos e todas as minhas crenças.
2 Égide significa o fundamento, o amparo, o escudo. Na mitologia grega era o escudo de Palas Atenas (a deusa da sabedoria, da guerra e da justiça). O verdadeiro fundamento da vida, o que a ampara, o que defende a nossa existência é esse ato de cuidar do jardim, podá-lo e fruir para fluir com a vida em cada estação. É a sabedoria que o escudo proporciona.
3 Potência, de acordo com Aristóteles, é aquilo em que é possível algum ser se transformar em virtude desse fim próprio. Assim, uma semente é uma potência da árvore. Meu intuito aqui é realçar a ideia de que tudo que é citado após a palavra \'potência\' continua a existir se escolhermos não só enxergar, mas também contribuir para que tais coisas sejam fomentadas – é sobre alimentar a potência interior e esta, por sua vez, conectar-se-á com a potência exterior naturalmente. Uma fusão bela e essencial para uma vida mais plena (pelo menos para mim).
4 Amor, aqui, remete aos 4 tipos de amor que C.S. Lewis descreve no seu livro \'Os Quatro Amores\': \'Storge\' (afeto), um amor natural entre familiares; \'Philia\' (amizade),o amor fraternal da amizade; \'Eros\' (romântico), o desejo e conexão entre amantes e \'Agape\' (caridade), o amor altruísta e incondicional.