Raspar baixo o tapete
por:D.P.Esteves
ultima madrugada
3 da tarde
invadiu-me o sono
deitei-me às 6
adormeci às 7
acordei às 9
com o mono
ressaca de vómitos
um por narina
com fogo nas asas
e aqui estou
pronto a morrer
vestido de cadáver
suando a palidez
um círio derretido
tripas rurrunando
ao som do mundo em carrossel
odor a puta suja
segregações testiculares
maldita repetição.
aposta na derrota
no tabuleiro incolor
no estuário do rio
colocam-se as filhas
discursando baixo a água
água, água, água
são culpados os gigantes
pela ausência de pegadas
fixas na água
na água
na água.
plasma derretido
domingo à tarde
o diabo suspira
joga ao pião com o planeta
vai ao fundo e sobe
rasga as nuvens brancas
e enterra os cascos no humano
mantém a languidez no semblante
cera pura
gotas de água no vidro
vão ao fundo e sobem
suspira com as costelas musculadas
entaladas de azevinho
domingos à tarde
são a sua cadeira de baloiço
a jugular de uma semana passada
dias devorados pelos ratos do tédio
e o diabo adormece
vai ao fundo e sobe.
dedos entre serras
ouço as sirenes do vento
o grito agudo das falanges recortadas nas brumas
num crescendo emulado pela apoplexia
um cavalo branco sem príncipe
de uma história inventada
um fio magenta desenha-me o peito
no palco cognitivo da rapariga
ninguém a conhece
ouço as flautas adocicando as serpentes
ingerindo veneno potável
de mangas arregaçadas até ao pescoço
as duas pernas rasgadas
ouço-me quebrar.
castração em ruínas
é obrigatório perder metade dos sonhos
metade dos amores
metade da vida
para descobrir quem mente
isolado na praça central
no alto da falésia
baixo o brilho solar na espuma
e o zumbido diabólico dos insetos
zzz-zzz-zzz
carnívoros
ou hedonistas
lambem-me os olhos
untando-me a face com o púrpura das lágrimas
enquanto escalo a plataforma viril
eles flácidos
os pioneiros
na fossa verbal
ou no panteão do tempo
remexendo-se no lamaçal dos ideais
da ética
parecem uma matrioska esverdeada e impura
de quem jura
que segura nas mãos o divino
mas não observa o resto do mundo
e de tão repetidos são o mesmo
já só possuo metade dos sonhos
e insetos
zzz-zzz-zzz
todos pó na tempestade
quanto ao amor
metade
mercadoria danificada de Platão
de nada me serve as rosas ao pescoço
os espinhos ornando-me as órbitas
de nada me serve o olfato
para amar durante a tarde
embalado ao som das músicas surdas da verbena
dos fumadores de dentes
adormece o sol e adormece o tempo
períodos longos de travessia
no deserto de excrementos
na parte pobre do jardim
brincam as crianças nuas
saltam a muralhas da esperança
sem desejos
sem sonhos
sem amor
saltam para a arena, desprotegidos
perante a serpente branca
com ninho nas narinas
e ao entardecer
assumo a derrota.