dpesteves

Pouco antes de ir à missa

 

 

 

 

 

 

e a praça ensolarada torna-se multidão

e o silêncio é francês

espanhol

a minha gente já não é minha

sabe-se lá de onde é

já nem eu me sinto da praça

e a praça é toda nucas

é um fulano comendo roscas

é dois idosos reencontrados

sem juventude

e um deles sem memória

apenas nos braços marcas do ultramar

e a praça são flores

o sol dá-lhes cor

na praça ninguém fuma

só o cachimbo de uma bicha

moribunda e encasacada

sujeitada na bengala

e todavia gira a cabeça 

ao rabo que passa pela praça

de rapaz novo

para ele

ilha digna de explorar

oh quem está aqui!

afirma de braços abertos

comadres secas a empalar

eu descrevo seios saltitantes

pouco a cima do cu de uma jovem

que na praça desfila

e estacionam carros caros

de famintos que inventam vidas

ou casais que não se desejam

e passa outro rabo

e todos giramos a cabeça

dissimulamos

menos o do casal

que já não se justifica

o cu vai de mão dada a uma aliança

certifico-me que tem tudo no sítio

pois nunca gostei de carros

e na praça aparento ser o único sem ninguém

mas devem haver outros

uma criança chora

quer mamar

devo chorar também?

a mãe tem boas mamas

empinadas e dignas

lá ao fundo

a estátua da Danaide

saca peito

gosta de ser admirada

não tem mau corpo

mas deve esfolar um pouco

fazer amor com granito

e na praça renova-se a colmeia

saúda-me um passador

dos que me deu mais droga

da que lhe consegui pagar

agora tem pinta de diplomata

aceno-lhe

deu-me vontade de tirar o chapéu

mas uma velha engasgou-se

e passaram três bicicletas 

transportando caras de bestas

e chegou uma anã

com a cabeça do tamanho do corpo

igual a uma mesa

e na praça ninguém dá por ela

 ninguém precisa de mesa?

a anã vê as bicicletas

junto da bicha do cachimbo

ela é do tamanho de uma mama

da mamã que amamenta o bebé

e na praça um bêbedo come uma banana

a empurrão

deve ter mais sede que fome

e sabe que deve comer 

se quer beber

a anã come roscas

e passa uma loira na praça

cabelo ondulado

cara de puta

levando a filha à catequese

e na praça os taxistas dormem no carro

ou batem à punheta

tanto cu que passa na praça

e que faço eu?

luto com a gravidade

que me puxa para o buraco

cheio de lama

cheio de anos

e má vida

e de arma papel e caneta

e a praça é tudo quanto basta 

para um homem

deixar de se ver ao espelho

ou ficar louco