e a praça ensolarada torna-se multidão
e o silêncio é francês
espanhol
a minha gente já não é minha
sabe-se lá de onde é
já nem eu me sinto da praça
e a praça é toda nucas
é um fulano comendo roscas
é dois idosos reencontrados
sem juventude
e um deles sem memória
apenas nos braços marcas do ultramar
e a praça são flores
o sol dá-lhes cor
na praça ninguém fuma
só o cachimbo de uma bicha
moribunda e encasacada
sujeitada na bengala
e todavia gira a cabeça
ao rabo que passa pela praça
de rapaz novo
para ele
ilha digna de explorar
oh quem está aqui!
afirma de braços abertos
comadres secas a empalar
eu descrevo seios saltitantes
pouco a cima do cu de uma jovem
que na praça desfila
e estacionam carros caros
de famintos que inventam vidas
ou casais que não se desejam
e passa outro rabo
e todos giramos a cabeça
dissimulamos
menos o do casal
que já não se justifica
o cu vai de mão dada a uma aliança
certifico-me que tem tudo no sítio
pois nunca gostei de carros
e na praça aparento ser o único sem ninguém
mas devem haver outros
uma criança chora
quer mamar
devo chorar também?
a mãe tem boas mamas
empinadas e dignas
lá ao fundo
a estátua da Danaide
saca peito
gosta de ser admirada
não tem mau corpo
mas deve esfolar um pouco
fazer amor com granito
e na praça renova-se a colmeia
saúda-me um passador
dos que me deu mais droga
da que lhe consegui pagar
agora tem pinta de diplomata
aceno-lhe
deu-me vontade de tirar o chapéu
mas uma velha engasgou-se
e passaram três bicicletas
transportando caras de bestas
e chegou uma anã
com a cabeça do tamanho do corpo
igual a uma mesa
e na praça ninguém dá por ela
ninguém precisa de mesa?
a anã vê as bicicletas
junto da bicha do cachimbo
ela é do tamanho de uma mama
da mamã que amamenta o bebé
e na praça um bêbedo come uma banana
a empurrão
deve ter mais sede que fome
e sabe que deve comer
se quer beber
a anã come roscas
e passa uma loira na praça
cabelo ondulado
cara de puta
levando a filha à catequese
e na praça os taxistas dormem no carro
ou batem à punheta
tanto cu que passa na praça
e que faço eu?
luto com a gravidade
que me puxa para o buraco
cheio de lama
cheio de anos
e má vida
e de arma papel e caneta
e a praça é tudo quanto basta
para um homem
deixar de se ver ao espelho
ou ficar louco