Tenho me sentido solitário desde que você partiu
Nós brigamos, se odiamos, enforquei com ódio
seu pescoço, mas com amor lembrei dos momentos dos leves e curiosos tempos que passávamos
rindo, mesmo inimigos, ainda grandes amigos
É difícil, partiste tão indiferente
Com tantos abusos, já considerava impossível
pensava que eras de aço, imparável, mas
pelo visto apenas fui cego, incompreensível
Com suas dificuldades, com seus contemplamentos
Tão verossímeis sobre a minha falta de entendimento
Cólera, é sempre a cólera
A indecência, a soberba, a idiotice
que permeou sua juventude, mas que cimentei
Durante a plenitude dos meus anos maduros
E o quê deve pensar você?
Feliz, por não suportar mais a mim
Ou melancólico por não divertir-se?
Com quem podias ser mais feliz e realista
a não ser comigo, seu mais fiel e louvavel
inimigo?
Agora ando as ruas, olho as vitrines
Nada restou, nada sobrou
No reflexo, estou completo
Mas a verdade é que fui quem mais chorou
Quem mais espera, quem mais deseja
dar uma desculpa sincera, seguir a vida
Foi-se tanto tempo, não sou mais maduro
Meu pico já se foi, potencial jogado aos horizontes
Enquanto caminho, melindroso, pelo distrito
Após lançar às estantes esse novo livro
Eu noto você, vejo suas caretas
Sorrisos, risadas, conversa sozinho
Como se falasse comigo, mas eu tremo
Eu começo a soar quando vejo seus olhos
e percebo, no meu íntimo, que não somos mais inimigos
Comprimento, converso, mas noto
Não me conheces, nem te conheço
Por mais que nossos olhos expressam
uma nostalgia e familiaridade tão sincera
Não podemos dizer nada, pois não sabemos mais a língua
Que inimigos conversam, que amigos se expressam
Caímos numa armadilha, é tragicômico
Aperto sua mão, abro um sorriso e me despeço
Com medo, trêmulo, percebo o que nos parou
Desconhecer a língua dos desconhecidos
Não saber reconectar a linha que nos fazia amigos
Ou o fogo que ardia no coração quando éramos inimigos
É por que não somos mais jovens?
Eu não sei, mas espero um dia falar consigo
Da mesma forma que no dia que viramos amigos.