joaquim cesario de mello

A INÚTIL ORAÇÃO DA IMORTALIDADE

 

Eu não quero descansar em paz

eu quero a intranquilidade do dia

o desassossego que há nas ruas

a dubiedade que habita nos homens

o amedrontamento das noites escuras

e a latência inquieta do porvir

 

Não quero a saudade eterna dos deixados

mas a indiferença dos vivos

a cara amarrada dos aborrecidos

o boquiaberto dos embasbacados

o sobressalto dos assustados

e a mendacidade dos falsos

 

Não quero ir para o céu prometido da minha mãe

prefiro ficar plantado na terra onde estou

a calosidade dura dos descalços

respirar a poeira soprada dos ventos

os pés lambuzados de barro

os joelhos ralados das quedas

 e retirar os ouriços nas praias pisados

 

Não quero partir dessa para melhor

almejo a luz no fim do túnel dos desesperados

a angústia dos dias agitados

a incerteza dos assustados

a clareza serena dos calmos

a ânsia dos esfomeados

e a sofreguidão dos apressados

 

Quero a longevidade das galáxias

a durabilidade dos imortais

a ininterrupção dos afetos

a infinitude de um poema incompleto

poder beber a água da vida no Santo Graal

o néctar e a ambrosia dos deuses olímpicos

e nunca cessar de apenas continuar existir e ser