Eu não quero descansar em paz
eu quero a intranquilidade do dia
o desassossego que há nas ruas
a dubiedade que habita nos homens
o amedrontamento das noites escuras
e a latência inquieta do porvir
Não quero a saudade eterna dos deixados
mas a indiferença dos vivos
a cara amarrada dos aborrecidos
o boquiaberto dos embasbacados
o sobressalto dos assustados
e a mendacidade dos falsos
Não quero ir para o céu prometido da minha mãe
prefiro ficar plantado na terra onde estou
a calosidade dura dos descalços
respirar a poeira soprada dos ventos
os pés lambuzados de barro
os joelhos ralados das quedas
e retirar os ouriços nas praias pisados
Não quero partir dessa para melhor
almejo a luz no fim do túnel dos desesperados
a angústia dos dias agitados
a incerteza dos assustados
a clareza serena dos calmos
a ânsia dos esfomeados
e a sofreguidão dos apressados
Quero a longevidade das galáxias
a durabilidade dos imortais
a ininterrupção dos afetos
a infinitude de um poema incompleto
poder beber a água da vida no Santo Graal
o néctar e a ambrosia dos deuses olímpicos
e nunca cessar de apenas continuar existir e ser