A Borboleta não voa porque é uma escolha;
Ela voa porque, do contrário, morre;
No “casulo-infinito” não há oxigênio infinito.
(Este primeiro sequer existe).
O pássaro que canta, canta porque tem voz,
apesar do que o envolve – a despeito do atroz –,
urge não sucumbir e ¹fugir à morte. Reerguer-se e
lembrar-se de que tem alguma vida e voz ainda viva!
O urso dorme enquanto guerras estouram;
O ser humano (que o deixou de ser) mata por prazer
e sem saber em nome de quê. A sede por sangue vence os
porquês. E ²a desgraça da espécie é a sua própria eliminação.
A ³Borboleta voa porque faz parte do seu caminho-ciclo,
assim como meu coração chora às rimas desse pensamento
(des)fracionado, onde pesam todos os corações quebrantados,
chora sobre tudo isso que não somos; sobre tudo aquilo que na
realidade deveriamos ser; sobre tudo isso que não deveria rimar...
Sinto e penso sobre o Homem que se matou;
O peso que criou e não foi pro Universo, ficou na Terra e nos
outros Homens; Sobre as crianças que não podem voar por
causa dos Homens que se mataram e se matam, culminando na
morte delas também; Imagino o tamanho de toda a dor
e a promessa que ela não carrega – pois 4não há volta nem glória.
A vida da natureza é impedida, assim como a do Homem que
mais cedo finda. O Homem pisa para ser pisado. 5Dionísio
oferece o vinho, o Homem despeja-o por toda a parte. Parece
que a 6irracionalidade dadaísta não é só arte, é a nova vida-política.
Existimos e escolhemos desistir daquilo que nos foi dado...
Todos os passos dados no passado “para o futuro” são apagados.
De um lado do mundo: bibliotecas e sonhos;
De outro lado: pesadelos e escombros...
Tudo aquilo que é impedido de voar, morre. E o Homem é
responsável pela sua morte e pela sua 7voz – por 8ambas as mortes.
E dessa forma o sangue que jorra está
em todo o lugar, em grandes e numerosas mãos.
A borboleta não pode escolher qual é o seu ciclo de vida;
O Homem, podendo escolher, escolhe a morte.
O 9Sangue Inocente jorra desesperadamente.
As gotas formam rios que os céus ouvem e guardam.
Quando chover, a Justiça Divina e a Sina da Terra tomarão conta de tudo.
¹Essa frase ressoou quando estava escrevendo, pois esses últimos dias tenho ouvido muito ‘Your Blood’ da Aurora (mesma cantora da música escolhida para esse poema), onde na ponte da música ela canta com força “But I, I refuse to die” (Mas eu, eu me recuso a morrer). Uma das escolhas que faço todos os dias. Mas, depois refleti...: e as pessoas que estão lutando para ficarem vivas e não tem liberdade total sobre essa escolha? Um hospital foi bombardeado em Al-Aqsa, em Gaza. Esse acontecimento mexeu comigo.
²Darwin via essa ‘seleção natural’ das espécies da forma que um naturalista e um menino que cresceu numa família de botânicos veria. No entanto, retorcendo e espremendo esse pensamento – e mudando também para o âmbito do Homo sapiens [que tem mostrado que não sabe verdadeiramente nada] –, penso que essa ideia, desenvolvida no mundo moderno e capitalista, de “o mais forte triunfar sobre o mais fraco” fez-nos menos humanos e legitimou, indiretamente, a ideia de triunfar a QUALQUER custo, sendo necessário pagar o preço que seja necessário (neste caso, o preço são vidas humanas). Para Darwin a eliminação de tudo aquilo que era “mais fraco” na natureza era meramente uma ‘seleção natural’ – conteúdo científico. Para mim, a nossa espécie – a nossa humanidade atual – tem suprimido como nunca a alma humana; tornado-se ferozmente gananciosa e sistemática, fomentando a ideia de nunca não podemos querer estar na pele dos oprimidos – “não sejam um dos fracos”, mas, de modo errôneo, façam como o opressor – “sejam parte do time mais forte”, como se apenas esses dois caminhos existissem.
[Obs: isso não é uma crítica à teoria de Darwin ou à sua pessoa, mas sim uma análise de como tal pensamento foi difundido, dissolvido e digerido pela a sociedade, sobretudo a contemporânea/moderna liquida e rasa.]
³ Símbolo da borboleta: simboliza a transformação, uma era de mudança e renovação. Representa também o recomeço, a beleza, a felicidade e a efemeridade da natureza. Ao utilizar essa metáfora, o intuito é lembrar que há, ainda, ‘Hope through the dark times’ (not ‘in’ the dark, but ‘through’ the dark) – “esperança através [no sentido de após perfurá-la e no percurso de estar a atravessá-la] da escuridão.
4 As pessoas que estão morrendo na guerra – todas elas –, incluindo os soldados que estão sendo enviados são, no fundo, uma espécie de ‘bode expiatório’, sendo sacrificados sob o discurso “bem-feito” e “politicamente correto” de “morrer pelo país de forma honrosa”; “honrar e proteger a nação acima de tudo”, quando, na verdade, são apenas peças utilizadas por todo o sistema (que são pessoas, claramente) corrupto e podre para satisfazer a sua própria ganância, cobiça e desejos mais obscuros de derrotar e esmagar o outro. No final, eles também não retornarão, logo não há glória e honra em lugar algum, para quem quer que seja. Há apenas o coração de muitos vazios e túmulos espalhados como água.
5 Utilizei a metáfora de Dionísio (deus grego do vinho e um dos mais importantes da mitologia grega) para realçar a ideia subjacente da ignorância tremenda e avassaladora do Homem, incapaz até mesmo de suster e sustentar aquilo que lhe é concedido gratuitamente e livremente. O Homem não sabe, infelizmente, aproveitar aquilo que tem de natural, aquilo que há na ‘natura’ e que a natureza, simbolicamente representada pelos Deuses, oferece.
6 O Dadaísmo foi um movimento de negação da arte na própria arte (contraditório por si só). Seu objetivo era negar totalmente a cultura, defendia o absurdo, a incoerência, a desordem, o caos. O que está correlacionado, coerentemente, com a ideia despejada no último verso da estrofe: o intuito é reforçar a ideia de falta de sentidos eloquentes no nosso mundo político e também nos cidadãos que criam esse mundo, pois todos nós exercemos política, direta ou indiretamente. Todavia, assim como o dadaísmo, praticamente, nega-se a si mesmo, mais do que nunca, a política – cujo significado do grego remete a uma comunidade/sociedade que preza pelo BEM COMUM DOS CIDADÃOS –, não tem sido direcionada para o seu propósito inicial e correto; as decisões não são pensadas e avaliadas corretamente quando são tomadas, quer seja pelos governantes, quer seja pelos governados.
De tudo que é dito por todos esses, quase tudo não faz sentido e o pouco que faz (grande parte das vezes) é mera hipocrisia disfarçada, também, de cobiça.
7 O Homem é responsável pela sua própria voz, mas também, em consequência, pela voz da Morte que alimenta e fomenta, em troca de nada.
8 O homem, por carregar o peso do intelecto – que, por vezes, parece não existir, – é responsável por tudo aquilo que mata e destrói no mundo, pois ao matar, mesmo que não perceba, também estar a matar a si próprio. Ao destruir a natureza, se destrói aos poucos, ao matar seus irmãos e irmãs, se mata também.
9 “Dahm Hanaki”: significa ‘sangue inocente’ em hebraico. Há uma passagem em Deuteronômio 19:10-12 (NVI) que alerta o Homem acerca da escolha fatal: escolher a morte e não a vida: “Façam isso para que não se derrame sangue inocente na terra que o Senhor, o seu Deus, dá a vocês por herança e para que não sejam culpados de derramamento de sangue.”
Recebemos uma Terra, uma herança, ainda que imperfeita, e temos falhado em mantê-la, em protegê-la, em cuidar daquilo que conhecemos como lar. Mais uma vez, temos desobedecido, assim como no início de tudo, e as consequências desse ato, serão desastrosas (já estamos vendo muitas).