Há quase um clique para entrar
não vou, prefiro ficar aqui fora
Aqui fora tem o canto dos pássaros
a moça bonita que pela tarde passa
a conversa entre os bafos de cerveja
As peles bronzeadas no sol das praias
infâncias gritando e correndo no parque
e o livro que estou lendo que está na metade
Há quase um clique para entrar
um buraco do coelho me espera
para cair sem tempo para pensar
no outro lado do lado de cá
como em um universo paralelo
que se nele se chega mais rápido
do que se fosse em uma viagem interestelar
ou como se atravessasse o buraco da minhoca
Há quase um clique para entrar
vou deixar por aqui essa tal de humanidade
esta minha atual cordialidade
o meu corpo, os sentidos e a fenomenologia
minhas raízes ontológicas profundas
o relógio de pulso e a caneta esferográfica
o cristianismo que minha mãe me ensinou
e não vou nem mais saber quem eu sou
Há quase um clique para entrar
e me transformar num avatar de mim mesmo
deixar de exalar meus cheiros
não mais atender telefone
falar a língua dos dedos
abrir um canal no YouTube
tornando-me influencer digital
e irei parar de ser vertical
Há quase um clique para entrar
tudo se tornará sincrético
a vida será tão veloz
efêmera, passadiça e superficial
comprarei sapatos na Finlândia
sem sair de casa vou visitar a Birmânia
e deus se tornará algoritmo
tão invisível como um deus verdadeiro
Há quase um clique para entrar
não vou, prefiro ficar aqui fora