joaquim cesario de mello

HÁ QUASE UM CLIQUE PARA ENTRAR

 

Há quase um clique para entrar

não vou, prefiro ficar aqui fora

Aqui fora tem o canto dos pássaros

a moça bonita que pela tarde passa

a conversa entre os bafos de cerveja

As peles bronzeadas no sol das praias

infâncias gritando e correndo no parque

e o livro que estou lendo que está na metade

 

Há quase um clique para entrar

um buraco do coelho me espera

para cair sem tempo para pensar

no outro lado do lado de cá

como em um universo paralelo

que se nele se chega mais rápido

do que se fosse em uma viagem interestelar

ou como se atravessasse o buraco da minhoca

 

Há quase um clique para entrar

vou deixar por aqui essa tal de humanidade

esta minha atual cordialidade

o meu corpo, os sentidos e a fenomenologia

minhas raízes ontológicas profundas

o relógio de pulso e a caneta esferográfica

o cristianismo que minha mãe me ensinou

e não vou nem mais saber quem eu sou

 

Há quase um clique para entrar

e me transformar num avatar de mim mesmo

deixar de exalar meus cheiros

não mais atender telefone

falar a língua dos dedos

abrir um canal no YouTube

tornando-me influencer digital

e irei parar de ser vertical

 

Há quase um clique para entrar

tudo se tornará sincrético

a vida será tão veloz

efêmera, passadiça e superficial

comprarei sapatos na Finlândia

sem sair de casa vou visitar a Birmânia

e deus se tornará algoritmo

tão invisível como um deus verdadeiro

 

Há quase um clique para entrar

não vou, prefiro ficar aqui fora