Tornar-me-ei digital
e vou virar uma inteligência artificial
Guardarei minhas lembranças
em nuvens que não estão no céu
pois o céu é o lugar das almas desencarnadas
no escuro que existe no interior dos azuis
Meus neurônios serão algoritmos
minhas artérias serão fibras ópticas
e me trasmudar em impalpável e invisível
que nem o fantasma do sótão da casa da minha avó
Vou abolir os relógios de pulso
e me livrar dos calendários
já que para onde vou inexiste passado
o futuro durará uma eternidade
e o presente será o tempo que não acaba
Não vou mais temer a morte
essa coisa criada para os humanos
inventarem coroa de flores, velórios
cemitérios, crematórios e dias de finados
Não precisarei mais das mascaras
que o espelho dos olhos dos outros refletem
tanto quando pela frente deles passo
ou quando na ausência de mim eles falam
Apropriar-me-ei dos dicionários
das máquinas calculadoras que nem uso mais
falarei inglês, alemão, turco, grego e javanês
e não mais tirarei nota baixa em prova de português
Vou saber de cor pra que lado fica Cabul
Kralendijk. Bamaco, Jamestown e Bangui
conhecer a capital de Chipre e de Cazaquistão
decifrar o enigma de Andrômeda
resolver a hipótese de Riemann
explicar o último teorema de Fermat
vencer o Deep Blue no jogo de xadrez
e calcular qual é a idade de Deus
Tornar-me-ei digital
vou virar inteligência artificial
para jamais ter que voltar a dizer adeus