Hébron

Andarilho

...
Era andante, andarilho
Indestinado, pés descalçados
Há tanto céu, faltam-me voos
E, do pouco de chão,
Tolhem-me os passos
 
Sou caminho e caminhante
Não raramente venho a me servir
Com meu ultraje maltrapilho
Era um torto no chão
Roto, em trapos, esfarrapado
 
Vejo-me, na calçada faminto
E quantas vezes me ignoro
Mas de joelhos ainda rogo
Em prece para o ser inglório
Na límpida igreja opulente
Vou pedindo ações de graça
Para abrandar alguma desgraça
No seio daquele indigente
 
E expurgada toda a mácula da culpa
Brancacento, que outra face se esculpa
Ao preço de um tempo, meu fardo
Observo-me orando logo ao lado
Sem saber das sinas e dos sinos
Que se dobram enquanto procrastino
 
E nesse mesmo destempo, a missa ia
E diante das noites e dos muitos dias
Via-me reverendíssimo no alto do altar
Incitando a fechar os olhos e a balbuciar
Com desversos da pura hipocrisia
Proclamando a mais bela homilia
 
Sou caminho e caminhante
Não raramente venho a me servir
Com meu ultraje maltrapilho
Era um torto no chão
Roto, em trapos, esfarrapado
 
Era andante, andarilho
Indestinado, pés descalçados
Há tanto céu, faltam-me voos
E, do pouco de chão,
Tolhem-me os passos
...