Os vidros das janelas estão manchados de ontem
a empoeirar os móveis e os objetos da sala
como uma fina névoa acumulada de tempo
Tudo ao redor parece roído pelo consumo dos minutos
no extinguir vaporoso da tarde
que ruma conformada ao final do dia
que amanhã borrará ainda mais
as vidraças já tão sujas e maculadas de idades
Se o Sol soubesse das horas
amanheceria atrasado e demorado
apenas para se pôr depois da noite
e um pouco antes da próxima madrugada
(Os relógios dizem as horas
mas não sabem nada sobre o tempo
e os minutos que os relógios marcam
não são iguais aos minutos que vivo e lembro)
Sobrevivo no persistir das minhas lembranças
pois é no interior da memória que habita o tempo
sem números, datas, horários ou agendas
(Sou um breve espaço
entre meu passado e os sonhos)
O tempo que não usa relógios
é como um ácido invisível
que derrete metais e plásticos
dissolve cálcios, carnes e tecidos
deixando somente para trás
o rastro amarelecido nos vidros
E assim tudo aos poucos vem e se vai
o Sol, as manhãs e as tardes
e o que sempre fica nos seus lugares
é essa noite escura de estrelas caducas
a escutar o choro infantil das maternidades
(O Universo e os relógios
são analfabetos de tempo)