Sirukyps

Vermelho

E se o mundo terminasse amanhã?

O trânsito parado.

Pessoas correndo, em desespero.

Tiros, gritos, explosões.

Após terminar de escovar os dentes, eu pegaria uma roupa surrada do varal e correria, torcendo pra não atrasar.

De verdade, o meu chefe não se importa se quebro uma perna, perco um parente ou levo um tiro... O importante: Não faltar ao serviço. Afinal, sou pago pra isto.

E, assim, não é como se o mundo sempre não estivesse a um passo do fim. Cada vez mais, o ar está poluído, a comida escassa, vejo pessoas chorando, implorando por uma chance, uma vida, enquanto outras, gargalham, maltratam... Até porque, quando esta conta do bar, finalmente, fechar, a festa não vai acabar pra todos.

Ainda haverá bebidas.

Fartura.

Até vidas.

Por isto, acima dos meus problemas, estão as minhas responsabilidades...

Respirando fundo, eu limpo a cara, troco a roupa, fecho o sapato.

Após pegar o mesmo ônibus, sigo.

Ignorando o medo advindo das sombras, os olhares famintos... Por mais um dia, eu sigo.

Só sigo.  

Esforçando-me pra alcançar as expectativas.

Esforçando pra continuar neste mundo que queima em chamas, prestes a desmoronar.

Esforçando-me... Não sei se poderia dizer “viver”, mas, lá no fundo, temo o desconhecido, a escuridão, o inevitável desaparecer.  

Acho que lá no fundo, sigo por ser um outro covarde, com medo da dor.

Registrando a minha digital na máquina, suprimo as lágrimas. Simulando a indiferença, repito o ignorado “bom dia” e sigo.

Sigo.

Enquanto troco a água avermelhada daquele balde rachado, escuto gritos e percebo que obedeço pelo medo de sofrer.

Apesar de assombrado, eu trabalho, pois não quero morrer.