Depois de empilhar entulhos e deixar o móvel empoeirar, como se não fosse me afetar deixar tudo guardado ali, passei diversas vezes por essa estante. Uma estante um tanto pequena, um tanto úmida demais, um tanto triste demais para guardar algo que poderia ser valioso. Spoiler: tudo era tão supérfluo e tolo que não demorou muito para pegar mofo, e eu, que passava ali, vez ou outra, para empilhar mais coisas, acabei ficando doente. Porém, era tudo tão simples; bastava pegar e jogar no lixo o que não prestava mais. Mas quanto de mim ainda estava ali? Às vezes, nós realmente não passamos de pedaços de lixo. Ou apenas nos permitimos ser um lixão da vida? Fui franca comigo mesma: há coisas nessa estante que não dá nem para reciclar. Precisei limpar, fiz esforço para tirar tudo do lugar; doeu repaginar. Agora está tudo limpinho, sem algumas memórias, sem pessoas, sem pedaços de um \"eu\" que já existiu. Adoro limpar móveis que, de tão limpos, parecem até novos. No fim, é a mesma estante, mas com mais espaço para adquirir novos enfeites que a deixem com um ar revigorante por um bom tempo, ou entulhos que a façam ficar podre novamente.
N.