Eu quero ser uma memória,
uma lembrança que inalcança,
uma lembrança que chega, vai embora e te balança.
Quero ser uma história.
Vou além e digo mais:
se nunca estive em paz,
do que adianta essa vingança
de me deixar aqui, vivo e sem esperança?
Não sou o meu protagonista.
Tampouco dos outros sou,
tampouco serei lembrança,
serei mais assombração.
Uma chave que nada abre,
um cadeado que nada tranca,
uma porta que ninguém abre,
um mero fantasma de lembrança.
Digo que nem isso deve ser,
e eu devo esse desprazer
à minha própria garganta,
pois nem com o sangue derramado, nem mesmo dilacerado,
pus-me a uma história bacana.
Serei subitamente esquecido,
não tenho o que você tem,
nunca tive a ninguém.
\"Jaz aqui, desconhecido.\"
Não houve pessoa em vida
que pôde chamar de amigo.
Agora, nessa terra amargurado,
ele aceita o fato soterrado
de quem pôs o dedo na ferida.
Estragou a própria vida,
não agregou a de ninguém.
Aqui paga seus pecados,
em terra ou no além,
para ele dá no mesmo,
já que continua o mesmo,
não faz diferença a ninguém.